Dinamarquês que satirizou Maomé vive sob proteção e diz: 'Não me arrependo'
- Paula Adamo Idoeta
- Da BBC Brasil em São Paulo
Em 2010, o chargista dinamarquês Kurt Westergaard, hoje com 79 anos, teve a casa dele invadida e foi ameaçado com um machado por um muçulmano somali. Foi uma reação à charge que Westergaard havia feito cinco anos antes: a do profeta Maomé usando um turbante em forma de bomba.
O cartum foi um dos 12 publicados pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten e que despertaram uma onda de protestos no mundo muçulmano.
Em solidariedade, a revista francesa Charlie Hebdo republicou as 12 charges em 2006, argumentando que elas contribuiriam para o debate sobre a liberdade de expressão.
Em 2011, a redação da Charlie Hebdo foi alvo de um ataque a bomba que provocou um incêndio que acabou por destruir arquivos, equipamentos e materiais usados para a edição e publicação da revista.
Um dia depois dos ataques a tiros contra a redação da publicação de sátira política, em Paris, que deixaram 12 mortos, a BBC Brasil conversou por telefone com Westergaard.
Apesar de seu agressor ter sido condenado em 2011 por tentativa de homicídio e terrorismo e de Westergaard já estar aposentado, o cartunista conta que ainda se sente como um perseguido dentro do próprio país.
Mas não se arrepende das charges e argumenta que as religiões têm de aprender a conviver com a liberdade de expressão:
BBC Brasil: Como a imprensa e os cartunistas devem agir após o ataque à redação da Charlie Hebdo?
Kurt Westergaard: Não acho que eles devam reduzir sua atividade. Temos de nos erguer diante da crueldade e da intolerância.
Quando fui atacado - um homem invadiu a minha casa e tentou me matar, e a polícia teve que atirar nele -, tive um sentimento forte de raiva. Eu estava apenas fazendo meu trabalho.
Agora, de certa forma, sou um fugitivo em meu país. Vivo protegido pelo serviço secreto. É muito estranho viver e trabalhar sob proteção policial em seu próprio país. Você nunca se acostuma com isso.
Mas agora estou aposentado e espero que os meus colegas sigam lutando. É muito importante que o façam e que não tenham medo.
BBC Brasil: Algumas pessoas alegam que as charges e sátiras da Charlie Hebdo eram desrespeitosas. O senhor acha que deve-se ter mais cuidado com sensibilidades religiosas? Devemos evitar publicar coisas que possam ser ofensivas?
Westergaard: Não acho. Sei que a religião é um assunto muito delicado, quando se trata de cartuns ou sátiras. Mas a religião também tem poder e pode fazer muitas coisas com as pessoas. Ao longo da história, a religião também causou muitos danos.
Sempre lutarei para que as pessoas tenham (direito a) sua própria religião em paz. Mesmo que eu seja um ateu, respeito isso - é muito importante que toleremos as religiões.
Mas se clérigos abusam de poder ou se isso colide com a democracia, então eu tenho de reagir. Isso é muito importante para mim. Em muitos países, pessoas são reprimidas (pela religião).
Todas as religiões devem aprender a viver em um país democrático. É necessário que mantenhamos a luta pela democracia e pela liberdade de expressão.
BBC Brasil: Seu agressor foi condenado em 2011, mas o senhor conta que ainda se sente um prisioneiro em seu próprio país. O senhor alguma vez se arrependeu das charges que criou?
Westergaard: Não me arrependo. Não serviria para nada. Os desenhos foram feitos e publicados, então seria um desperdício de emoções e pensamentos ficar me arrependendo.
Para dizer de uma forma muito simples: eu apenas fiz o meu trabalho.
BBC Brasil: Ao tomar conhecimento do ataque à Charlie Hebdo, como se sentiu?
Westergaard: Foi terrível assistir ao que aconteceu em Paris. E me fez pensar que realmente precisamos de revistas satíricas como a Charlie Hebdo.
Eles são, de certa forma, anarquistas que estão observando todos os poderes e os que detêm poderes na sociedade.
E, se as autoridades ou as autoridades religiosas abusam de seu poder, então temos de reagir.