Dinamarquês que satirizou Maomé vive sob proteção e diz: 'Não me arrependo'

  • Paula Adamo Idoeta
  • Da BBC Brasil em São Paulo
O cartunista Westergarrd
Legenda da foto, Kurt Westergaard criou polêmica internacional em 2005 ao desenhar uma charge do profeta Maomé com um turbante em forma de bomba

Em 2010, o chargista dinamarquês Kurt Westergaard, hoje com 79 anos, teve a casa dele invadida e foi ameaçado com um machado por um muçulmano somali. Foi uma reação à charge que Westergaard havia feito cinco anos antes: a do profeta Maomé usando um turbante em forma de bomba.

O cartum foi um dos 12 publicados pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten e que despertaram uma onda de protestos no mundo muçulmano.

Em solidariedade, a revista francesa Charlie Hebdo republicou as 12 charges em 2006, argumentando que elas contribuiriam para o debate sobre a liberdade de expressão.

Em 2011, a redação da Charlie Hebdo foi alvo de um ataque a bomba que provocou um incêndio que acabou por destruir arquivos, equipamentos e materiais usados para a edição e publicação da revista.

Um dia depois dos ataques a tiros contra a redação da publicação de sátira política, em Paris, que deixaram 12 mortos, a BBC Brasil conversou por telefone com Westergaard.

Apesar de seu agressor ter sido condenado em 2011 por tentativa de homicídio e terrorismo e de Westergaard já estar aposentado, o cartunista conta que ainda se sente como um perseguido dentro do próprio país.

Mas não se arrepende das charges e argumenta que as religiões têm de aprender a conviver com a liberdade de expressão:

BBC Brasil: Como a imprensa e os cartunistas devem agir após o ataque à redação da Charlie Hebdo?

Kurt Westergaard: Não acho que eles devam reduzir sua atividade. Temos de nos erguer diante da crueldade e da intolerância.

https://www.youtube.com/watch?v=2g_xaVNY9P4
Legenda da foto, Westergaard até hoje conta com segurança do serviço secreto dinamarquês e diz se sentir perseguido dentro de seu próprio país
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Fim do Podcast

Quando fui atacado - um homem invadiu a minha casa e tentou me matar, e a polícia teve que atirar nele -, tive um sentimento forte de raiva. Eu estava apenas fazendo meu trabalho.

Agora, de certa forma, sou um fugitivo em meu país. Vivo protegido pelo serviço secreto. É muito estranho viver e trabalhar sob proteção policial em seu próprio país. Você nunca se acostuma com isso.

Mas agora estou aposentado e espero que os meus colegas sigam lutando. É muito importante que o façam e que não tenham medo.

BBC Brasil: Algumas pessoas alegam que as charges e sátiras da Charlie Hebdo eram desrespeitosas. O senhor acha que deve-se ter mais cuidado com sensibilidades religiosas? Devemos evitar publicar coisas que possam ser ofensivas?

Westergaard: Não acho. Sei que a religião é um assunto muito delicado, quando se trata de cartuns ou sátiras. Mas a religião também tem poder e pode fazer muitas coisas com as pessoas. Ao longo da história, a religião também causou muitos danos.

Manchete de jornal americano
Legenda da foto, Em 2008, a polícia do estado americano de Boston desbaratou um plano para matar o cartunista, que sofreria um atentado dois anos depois

Sempre lutarei para que as pessoas tenham (direito a) sua própria religião em paz. Mesmo que eu seja um ateu, respeito isso - é muito importante que toleremos as religiões.

Mas se clérigos abusam de poder ou se isso colide com a democracia, então eu tenho de reagir. Isso é muito importante para mim. Em muitos países, pessoas são reprimidas (pela religião).

Todas as religiões devem aprender a viver em um país democrático. É necessário que mantenhamos a luta pela democracia e pela liberdade de expressão.

BBC Brasil: Seu agressor foi condenado em 2011, mas o senhor conta que ainda se sente um prisioneiro em seu próprio país. O senhor alguma vez se arrependeu das charges que criou?

Westergaard: Não me arrependo. Não serviria para nada. Os desenhos foram feitos e publicados, então seria um desperdício de emoções e pensamentos ficar me arrependendo.

O cartunista dinamarquês Kurt Westergaard
Legenda da foto, Aos 79 anos, Westergaard já se aposentou, mas diz esperar que colegas ainda na ativa "sigam lutando"

Para dizer de uma forma muito simples: eu apenas fiz o meu trabalho.

BBC Brasil: Ao tomar conhecimento do ataque à Charlie Hebdo, como se sentiu?

Westergaard: Foi terrível assistir ao que aconteceu em Paris. E me fez pensar que realmente precisamos de revistas satíricas como a Charlie Hebdo.

Eles são, de certa forma, anarquistas que estão observando todos os poderes e os que detêm poderes na sociedade.

E, se as autoridades ou as autoridades religiosas abusam de seu poder, então temos de reagir.