Conheça o solo de bateria que já foi usado 'em 1,5 mil músicas'

  • Ellen Otzen
  • Da BBC News

Amen, Brother é o lado B pouco conhecido de um disco lançado em 1969. Pouco notado na ocasião, um solo de bateria da faixa teve grande influência na música desde então, aparecendo em mais de 1,5 mil canções. Porém a banda que o criou nunca recebeu um centavo de direitos autorais.

"Me pareceu que aquilo foi um plágio, me senti roubado e estuprado", disse Richard L Spencer, principal vocalista da banda americana The Winstons, que gravou a faixa.

"Eu venho de uma era em que não se roubava as ideias das pessoas".

Nas últimas três décadas bandas dos dois lados do Atlântico usaram o solo de bateria da música Amen, Brother como fonte de inspiração.

Spencer se lembra do dia em que a canção foi gravada em Atlanta, Georgia, na primavera de 1969.

Os Winstons se trancaram em um estúdio tentando criar uma música para ocupar o lado B do compacto que lançaria sua nova música Color Him Father. Eles acabaram decidindo gravar uma música instrumental vagamente baseada em uma velha canção gospel chamada Amen, Brother.

Alguns dos elementos para a música vieram de uma melodia para guitarra que o lendário músico de R&B Curtis Mayfield uma vez tocou para Spencer. Mas isso era pouco, então o grupo decidiu aumentar a canção adicionando a ela um breve solo de bateria.

"A banda não queria ensaiar a música. Não estávamos lá para fazer algo 'original', éramos uma banda que tocava em bares. Os rapazes estavam um pouco aborrecidos, eles queriam tempo de lazer, então eu tive que acelerar as coisas", disse Spencer.

Canção lançada em 1969 teve trecho reproduzido em mais de 1.500 músicas

Crédito, Sadi M Pekerol III

Na metade da música os outros instrumentos silenciaram no momento em que o baterista G.C. Coleman continuou durante quatro compassos. "Em 20 minutos nós tínhamos uma música", afirmou.

Mas a real autoria do "solo" - na verdade, mais uma "levada" de bateria do que um solo propriamente dito - não é algo claro. Spencer disse que foi ele quem dirigiu a criação. Já Phil Tolotta, o único membro da banda ainda vivo além do vocalista, discorda. Ele afirmou que o solo seria criação exclusiva de G.C. Coleman.

A música Color Him Father, no lado A do disco, se tornou um dos 10 maiores sucessos do R&B nos Estados Unidos em 1969. Ela até ganhou um prêmio Grammy no ano seguinte, enquanto Amen, Brother seguiu desconhecida na época.

Apesar do sucesso nas paradas, os Winstons enfrentaram dificuldades sendo uma banda de etnia mista tocando no sul dos Estados Unidos. O grupo se separou nos anos 1970.

Era do 'sampler'

Porém, muitos anos depois, o solo de bateria de Amen, Brother influenciou uma nova geração de músicos.

Na metade dos anos 1980, com a popularização, no rap e hip hop, da criação de ritmos a partir de samples - amostras sequenciadas - copiados de discos alheios, a batida de Amen, Brother foi redescoberta.

"Uma das primeiras coisas que essa cena permitiu foi a reutilização de material gravado no passado", disse Nate Harrison, um artista e acadêmico que fez um documentário sobre esse solo de bateria.

The Winstons

Crédito, Sadi M Pekerol III

Legenda da foto, Grupo musical autor de "levada" nunca recebeu direitos autorais

O trecho pode ser ouvido na música I Desire, de um álbum lançado em 1986 pelo grupo de rap de Nova York Salt-N-Pepa.

Alguns anos depois, ele aparece na música Words of Wisdom de uma outra banda de Nova York conhecida como Third Base. Ela também aparece em uma música do grupo NWA, em 1989.

No início dos anos de 1990, produtores musicais britânicos se inspiraram no que vinha sendo feito nos Estados Unidos. Sucessos antigos receberam releituras e a batida, agora conhecida como Amen break, passou a ser amplamente explorada foi explorada pelos DJs e produtores ligados ao gênero musical jungle.

Mais tarde, a levada recebeu atenção especial da mídia quando o grupo Oasis a copiou em sua música Do You Know What I Mean, de 1997. No mesmo ano, ele apareceu na canção Little Wonder, de David Bowie.

Ao longo dos anos se tornou um dos sucessos de bateria mais copiados da história.

Mistura perfeita

Então, por que esses seis segundos de solo se tornaram tão populares?

Segundo Harrison, o que faz o trecho ser tão copiado é a mistura perfeita de som de características orgânicas e robóticas.

"O ritmo é sincopado e há diversas variações na bateria que você pode fazer a partir da amostra original. Ele é propício para cortar e rearranjar. E tem uma pegada única", disse.

"Ele é a espinha central de muitas músicas. Tanto músicos de hip hop como de drum and bass fizeram muito dinheiro dele".

Mas nenhum dos integrantes dos Winstons recebeu dinheiro por direitos autorais. Nos anos de 1980, o uso de amostas de canções era um assunto cinzento na área jurídica. Hoje os músicos têm que pedir permissão para o artista original ou o detentor dos direitos autorais.

Capa do disco dos Winstons

Crédito, Chris White I Flickr

Legenda da foto, Grupo gravou solo de bateria porque não tinha música suficiente para lado B de disco
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Coleman desenvolveu um vício em drogas e morreu como morador de rua em Atlanta, em 2006. Spencer disse acreditar que ele nunca teve ideia do impacto da levada criada por ele décadas antes.

Atualmente, uma campanha está levantando fundos para Spencer, que detém os direitos autorais de Amen, Brother. Criada pelos DJs Martyn Webster e Steve Theobald, a campanha está tendo mais sucesso que o esperado ao ser apoiada por fãs e músicos de sucesso.

Até agora foram arrecadados mais de US$ 26 mil.

"Trata-se de devolver a um homem de 72 anos que tem problemas do coração que nunca viu um centavo de seus direitos autorais", disse Theobald.

Spencer se aposentou da música há mais de 40 anos. Hoje ele escreve romances e vive na Carolina do Norte. Apesar de ter ficado incomodado com u uso indiscriminado de sua obra, hoje ele diz estar em paz com isso.

"Não foi a pior coisa do mundo. Sou um homem negro na América e o fato de que alguém querer usar algo que eu criei é lisonjeiro". Ele também se disse emocionado pela campanha.

"Eles não tinham que fazer isso – eu nem os conheço. Cinquenta anos depois, alguns garotos brancos que eu nunca encontrei vêm do outro lado do mundo e dizem: "Vamos te dar um presente". Isso é provavelmente uma das coisas mais doces que me aconteceram em um longo tempo".