Por que a 'Marselhesa' virou o ‘hino’ da resistência ao terrorismo?

  • Alex Marshall
  • Da BBC Culture
Manifestantes se reúnem em Londres em solidariedade aos franceses após ataques

Crédito, Getty

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Manifestantes se reúnem em Londres em solidariedade aos franceses após ataques

Nenhuma outra canção nesta semana deve ter sido mais lembrada e executada do que A Marselhesa, o hino nacional francês e provavelmente um dos mais facilmente reconhecidos em todos os cantos do planeta.

Várias rádios europeias tocaram a canção em sua programação entre uma música pop e outra. Durante o fim de semana, orquestras em todo o mundo dedicaram uma parte de seus concertos à famosa melodia. Dezenas de "anônimos" postaram vídeos cantando-a a plenos pulmões.

E, na noite de terça-feira, dezenas de milhares de torcedores franceses e ingleses entoaram o hino juntos durante o amistoso França x Inglaterra no estádio de Wembley, em Londres – algo que a maioria dos britânicos jamais imaginaria presenciar.

No espaço de poucos dias, a música deixou de ser apenas o hino nacional francês e se tornou o principal símbolo de solidariedade após os ataques da última sexta-feira, em Paris. Uma maneira para que todos no mundo expressem seu alinhamento com os parisienses e mostrem que também compartilham da atitude de resistência adotada pela França.

‘Incrivelmente sanguinária’

Mas um dos fatos mais incríveis em relação ao fenômeno da Marselhesa é que, talvez sem perceber, cada um desses novos "intérpretes" da canção está trazendo de volta à tona seu sentido original.

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A Marselhesa foi escrita em 1792 por Claude Joseph Rouget de Lisle, um soldado e violinista amador de 31 anos. Ele servia em Estrasburgo naquele ano, quando a Áustria parecia prestes a invadir a França, ameaçando reprimir a Revolução e restaurar o rei Luís 16 ao poder.

Desesperado por algo que inspirasse a cidade a resistir, o prefeito pediu a Rouget de Lisle para compor uma canção.

Meio embriagado, o soldado voltou a seus aposentos e, em poucas horas, escreveu A Marselhesa. Provavelmente, a melodia era alguma canção popular naqueles dias, enquanto boa parte da letra vinha de frases pixadas nos muros da cidade. Mas sua criação foi uma música de provocação e resistência capaz de dar esperança a qualquer um que a escutasse.

Para começar, trata-se de uma letra incrivelmente sanguinária. Um dos versos diz: "Ouvis nos campos rugir esses ferozes soldados? Vêm eles... degolar vossos filhos e vossas mulheres?". E o refrão entoa: "Às armas, cidadãos... Que um sangue impuro banhe o nosso solo". Isso sem falar na abertura do hino: "Avantes, filhos da Pátria... Contra nós a tirania, o estandarte ensanguentado se ergueu". São essas frases que parecem dizer algo para todos nós neste momento.

Sucesso pop

E quem pensa que a Marselhesa não é tão grandiosa do ponto de vista da melodia talvez precise lembrar como a canção foi usada por outros músicos.

De Wagner aos Beatles, de Débussy a Serge Gainsbourg, dezenas deles fizeram citações a ela em suas próprias composições. Uma das versões mais famosas talvez seja a Abertura 1812 de Tchaikovsky, com a qual ele quis simbolizar a França prestes a ser derrotada por tropas russas, mas com uma melodia tão intensa que qualquer um que a escutasse acharia que os franceses é que venceram a batalha.

É uma canção que inspirou os franceses em vários momentos da história de seu país. Um general francês certa vez disse que o hino valia o mesmo que um batalhão de mil homens a mais. Um poeta alemão afirmou que a música foi responsável pela morte de 50 mil de seus conterrâneos.

Tanto na Primeira quanto na Segunda Guerras Mundiais, a Marselhesa foi tocada e cantada continuamente para tentar levantar o moral dos cidadãos, mesmo tendo sido proibida pelo Regime de Vichy).

E a famosa cena do filme Casablanca que mostra uma multidão de franceses cantando o hino às lágrimas para tentar calar quem exaltava soldados nazistas não tem um pingo de exagero em relação aos sentimentos que a música invoca.