A 'virada' das mulheres em uma enquete sobre os melhores escritores britânicos

  • Hephzibah Anderson
  • Da BBC Culture
François D'Albert

Crédito, Franois dAlbert

Legenda da foto, Mary Ann Evans escreveu com pseudônimo masculino no século 19

No início de dezembro, uma enquete promovida pela BBC com críticos literários para escolher os 100 mais importantes livros de ficção do Reino Unido de todos os tempos teve um resultado surpreendente.

Não pela escolha de A Vida é Assim em Middlemarch, da escritora Mary Ann Evans, embora escrito com o pseudônimo masculino George Eliot - um expediente aparentemente usado para que seus livros fossem levados a sério na conservadora sociedade britânica do século 19. A lista surpreendeu, na verdade, pelo predomínio assustador do sexo feminino entre os chamados top 10.

Dos sete autores representados (mais de um livro poderia contar), nada menos que cinco eram do sexo feminino, com Charles Dickens e William Thackeray como exceções. Entre os 20 mais importantes livros, dez foram escritos por mulheres.

E mesmo a proporção majoritária masculina na lista completa (60%) não pode ser interpretada como domínio puro e simples, já que durante séculos mulheres enfrentaram muito mais barreiras legais, culturais e sociais do que homens para terem trabalhados publicados.

Desequilíbrio

Em condições iguais, mulheres têm vantagem: dos 13 livros da lista publicados no século 21, a maioria era de autoras, incluindo nomes como Jeanette Winterson e Zadie Smith.

Os nomes com mais trabalhos na lista também são femininos: Virginia Woolf e Jane Austen, com quatro títulos cada.

Esses resultados também chamam a atenção pelo contraste com a maioria das enquetes realizadas na década passada. Em 2003, quando a BBC promoveu o projeto Big Read para que o público britânico escolhesse seu livro preferido, apenas quatro livros de mulheres britânicas apareceram no top 10. Cinco anos mais tarde, o jornal The Times fez a enquete "Os 50 maiores autores do pós-guerra". O veredicto? Apenas um quarto de autoras.

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Legenda da foto, Jeanette Winterson foi apenas um de três autores vivos com mais de um livro na lista da BBC
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Em 2014, um votação para os 20 melhores trabalhos de britânicos e irlandeses, promovido pelo Daily Telegraph, teve placar 12 a 8 para os homens. Meses mais tarde, o mesmo jornal publicou uma lista de 100 livros que todo mundo deveria ler. Apenas 19 títulos eram de autoras.

Por que os resultados da BBC são tão diferentes? Para começar, ele foca especificamente em autores britânicos, em vez de anglófonos. Outra diferença é que não se prende a um período particular, mas engloba desde Robinson Crusoé, publicado em 1719 e considerado o primeiro romance em língua inglesa, a trabalhos publicados na atual década.

Mas essas diferenças ainda não explicam tudo. Afinal, desde 1945, ficou mais fácil para mulheres entrarem no mercado editorial. Em lista pan-anglófilas, mulheres americanas poderiam ter aparecido mais. A grande diferença da medição da BBC é que ela ouviu apenas críticos literários não-britânicos. Divididos mais ou menos igualmente em termos de gênero, os especialistas são de países como EUA, Canadá, Austrália e Índia.

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Legenda da foto, Doris Lessing é a única britânica a ganhar o Nobel de Literatura

Esse colégio eleitoral pareceu reparar muito mais nas autoras britânicas que os próprios britânicos. E a lista faz mais do que generalizar: há clássicos feministas como O Carnê Dourado, de Doris Lessing, a livros de época como Excellent Women, de Barbara Pym, por exemplo.

O fato é que, enquanto revistas literárias internacionais como a Paris Review e a New York Times Book Review tentam equilibrar tanto o gênero de autores analisados quando de críticos, o mesmo não acontece em títulos britânicos como o London Review of Books.

Em 2014, 82% dos artigos escritos por esta última publicação eram de autores masculinos. Para qualquer um imerso no mundo literário britânico, pode parecer que nomes como Salman Rushdie, Ian McEwan e Kazuo Ishiguro dominam a cena, mas estes emplacaram apenas um título na enquete da BBC. E o celebrado Martin Amis sequer aparece.

Listas são traiçoeiras tanto quanto irresistíveis, especialmente em assuntos tão subjetivos como livros. Mas essa enquete parece confirmar algo que Virginia Woolf tentou nos dizer há 80 anos em Um Teto Todo Seu. O problema nunca foi a produtividade das autoras britânicas, mas sim a aceitação do establishment literário.