May pode ser a Merkel do Reino Unido?

  • Damien McGuinness
  • Da BBC News em Berlim
Chanceler Angela Merkel e a líder conservadora Theresa May

Crédito, AFP

Legenda da foto, Angela Merkel (à esq.) foi comparada a May na imprensa alemã

Theresa May assumiu o cargo de primeira-ministra do Reino Unido nesta quarta-feira e já nomeou alguns de seus ministros, como o ex-prefeito de Londres Boris Johnson (Relações Exteriores) e Phillip Hammond (Finanças).

Enquanto isso, a mídia alemã deu as boas-vindas à nova premiê britânica com manchetes que a comparavam com a chanceler de seu país.

"A Angela Merkel inglesa", "May é a Merkel do Reino Unido" e "A Merkel britânica", eram alguns dos títulos que figuraram na imprensa da Alemanha.

Mas será que May tem realmente tanto em comum com a líder mais poderosa da Europa?

Mulheres no comando

Legenda do vídeo, Theresa May: Quem é a nova primeira-ministra do Reino Unido

Ninguém nunca havia comparado o corte de cabelo ou o estilo de se vestir do antecessor de Merkel, Gerhard Schroeder, com os de seu colega britânico à época, Tony Blair.

O fato de comparações assim estarem sendo feitas entre duas mulheres diz muito mais muito sobre o sexismo na sociedade do que sobre qualquer semelhança que eventualmente possa existir entre Angela Merkel e Theresa May.

O mesmo acontece com os termos "de aço" ou "rainha do gelo", usados para descrever ambas. O fato de elas serem casadas, mas não terem filhos, também não teria sido citado se as personagens em questão fossem homens.

Tudo isso prova que a diferenciação de gênero ainda é uma questão na política e que as duas representantes têm que enfrentar preconceitos todos os dias para figurar no topo de partidos dominados por homens.

Chanceler Angela Merkel

Crédito, EPA

Legenda da foto, Angela Merkel apenas alterna as cores de seus discretos ternos, mas mesmo assim atrai comentários por seu "estilo"

Com a ascensão de May, as duas tiveram de lidar com comentários da mídia sobre aspectos de sua aparência, como os sapatos com estampa de leopardo da britânica e o cabelo da alemã - houve muito barulho quando ela trocou seu corte no formato de tigela para outro, apelidado de "capacete pronto para a batalha".

Merkel usa roupas de estilo clássico, equivalentes aos anônimos ternos do mundo masculino, alternando apenas as cores de blazers. Roupas "normais" o suficiente para não fugir do padrão em questão, mas tidas como "brilhantes" por chamar a atenção em meio aos ternos cinzas que preenchem as conferências da União Europeia.

O poder da religião

Também tem sido bastante comentada a coincidência de as duas serem filhas de integrantes do clero protestante.

O que geralmente não é citado é que o fato de Merkel ter sido criada em uma família protestante fez dela uma "estranha" em meio ao comunismo da Alemanha Oriental.

O Cristianismo era visto como "suspeito" pelo governo comunista, uma "força dissidente" - ou seja, a hoje chanceler soube o que era ser uma minoria naquele universo.

E a Igreja teve um papel muito importante na queda do Muro de Berlim, enquanto no Reino Unido a família de um anglicano é tradicionalmente parte do governo vigente.

Por outro lado, o passado religioso parece ter alguma influência nas decisões políticas de ambas.

Merkel justificou sua decisão de receber os refugiados como um dever moral, e seu Partido Democrata Cristão, fundado em valores religiosos, não é apenas conservador, mas também vê um Estado de bem-estar social amplo para a sociedade como parte de seus princípios.

Os recentes comentários de May sobre reformas sociais e reduzir a desigualdade indicam que ela pode pender mais para um estilo "cristão-democrata alemão" do que para um estilo Thatcher.

Angela Merkel

Crédito, DPA

Legenda da foto, Os sapatos das líderes políticas já foram tema de reportagens na imprensa

Por que, então, comparar as duas?

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Talvez porque Angela Merkel será a principal líder a negociar com Theresa May sobre a saída do Reino Unido da União Europeia.

A alemã nunca cansa de dizer que essa é uma decisão para os 27 membros da União Europeia, mas não há dúvidas de que a voz dela terá mais influência - além de ser a representante que está há mais tempo no bloco, a chanceler comanda a economia mais forte da Europa.

As conversas serão lideradas pelos membros dos Estados, e não pela Comissão Europeia, o que significa que a boa relação entre ambas será crucial.

Não passou despercebido o fato de que as duas gostam de cozinhar e de fazer caminhadas: são costumes bastante próximos da vida real dos eleitores, que estão cansados de políticos distantes.

Elas são reconhecidas por serem consistentes em suas decisões e por se aterem aos detalhes, e há quase um suspiro de alívio audível nos corredores do poder em Berlim pelo fato de que a luta pelo poder entre os conservadores não durou muito no Reino Unido.

Um pedido de divórcio

Não é segredo que a Alemanha ficou abalada com a decisão dos britânicos de sair da União Europeia.

O resultado do plebiscito foi visto pelo país como um término de uma relação amorosa. Mas a prioridade para muitos em Berlim é que o divórcio seja feito da maneira mais sutil possível, para evitar qualquer dano econômico.

Até aqui, políticos alemães têm sido cuidadosos nos comentários sobre May, provavelmente porque o cenário político britânico se tornou completamente imprevisível.

Theresa May e o marido Philip após a posse dela no cargo
Legenda da foto, May pende mais para um estilo "democrata-cristão alemão" do que para o de Margaret Thatcher

A única coisa que Merkel disse sobre sua colega britânica é que seu primeiro dever será "esclarecer que tipo de relação futura o Reino Unido deseja construir com a União Europeia". Segundo a alemã, as medidas do Artigo 50 (que rege a saída de membros da UE) devem ser colocadas logo em prática, dando início de uma vez ao prazo de dois anos para a saída - só depois disso as negociações poderiam efetivamente começar.

Esse deve ser o primeiro "confronto" entre as duas, já que May quer iniciar a negociação antes de colocar em prática o Artigo 50.

O maior desafio é que as duas têm objetivos opostos sobre como o Brexit deve acontecer.

Theresa May estará sob a pressão dos que votaram pela saída do Reino Unido para, de alguma maneira, manter o acesso completo dos britânicos ao mercado europeu, e ao mesmo tempo assegurar um controle mais rígido da imigração.

Mas Merkel tem há anos batido na tecla de que isso não é possível.

Para a Alemanha, o mercado comum não é apenas sobre livre-comércio, mas sobre livre movimentação de trabalhadores. Logo, permitir a um país ter um sem o outro destruiria a essência do projeto.

Ambas têm reputação de boas negociadoras e por terem uma característica não ideológica e mais flexível, o que ajudaria a resolver problemas.

Não há dúvidas de que elas precisarão exercer isso mais do que nunca a partir de agora.