Corrupção pode ser mais importante que economia nas eleições, segundo avaliação de banco suíço

  • Ricardo Senra - @ricksenra
  • Da BBC Brasil em Washington
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Crédito, Getty Images

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Tony Volpon: 'Os dados mostram que não será um mero cálculo econômico que vai decidir a eleição'

A popularidade de um presidente e o desempenho econômico do país costumavam andar de mãos dadas no Brasil. Desde o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), líderes que conseguiram controlar a inflação e o desemprego também registraram baixos níveis de rejeição. Como consequência, foram reeleitos ou emplacaram sucessores.

"O voto no Brasil é muito ligado à percepção econômica", diz Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e economista-chefe do UBS no Brasil.

"Quem está feliz com a economia, vota no candidato da situação. Quem não se sente bem, vota na oposição. Todas as eleições a partir de 1994 têm essa lógica."

O padrão, no entanto, parece ter naufragado com o governo de Michel Temer, segundo um estudo enviado pelo banco suíço a investidores estrangeiros, na última quinta-feira.

"A partir de 2016, essa correlação entre economia e popularidade do presidente se quebra no Brasil. Houve melhora nas condições econômicas, com queda na inflação e no desemprego. Mas o governo Temer é hoje mais impopular que o governo Dilma (Rousseff) em seu pior momento", aponta Volpon.

Em 1998, embalado pelo sucesso do Plano Real, FHC tinha índices de aprovação 10% maiores que os de reprovação - e foi reeleito. Mas depois de sucessivas crises econômicas no fim dos anos 1990 e no início dos anos 2000, o apoio popular ao tucano despencou e ele não conseguiu eleger o colega José Serra, derrotado por Lula em 2002.

Tony Volpon
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'Corrupção e questões não estritamente econômicas vão contar mais na cabeça do eleitor neste ano', diz Tony Volpon | Foto: Divulgação

Nos oito anos seguintes, mesmo abalado pelo escândalo do mensalão, o petista conseguiu manter inflação e desemprego em níveis baixos o suficiente para alcançar a maior aprovação já obtida por um presidente brasileiro: 80%. Em 2010, Lula conseguiu com relativa tranquilidade passar a faixa presidencial para Dilma Rousseff - até então uma figura anônima para a maioria dos brasileiros.

Na semana em que Lula teve sua pena ampliada de 9 para 12 anos, em decisão unânime de três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de Porto Alegre, o levantamento histórico do banco internacional sugere que a corrupção roubou a cena no país.

O fenômeno indica que, pela primeira vez na história recente, o eleitorado brasileiro não deve se pautar pela situação do bolso na hora de escolher um presidente em 2018.

"Os dados mostram que não será um mero cálculo econômico que vai decidir a eleição. Corrupção e questões não estritamente econômicas vão contar mais na cabeça do eleitor neste ano", prevê o economista.

Denúncias contra Temer

A tese se justifica por uma série de gráficos enviados a clientes, pelos quais o banco aponta que o maior distanciamento entre popularidade e resultados da economia de Temer coincide com os escândalos envolvendo o presidente e seus principais aliados, revelados em delações premiadas de executivos da JBS.

De lá para cá, quanto mais sinais de recuperação a economia dava, menor era a aprovação do peemedebista.

"Acreditamos que as duas denúncias de corrupção enfrentadas pelo presidente Temer no ano passado, no Congresso, danificaram sua popularidade depois de uma curta melhora em meados de 2016", diz o relatório da UBS.

A percepção se confirma pela evolução das pesquisas de opinião sobre corrupção no país.

Ilustração de corrupção

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Em 1989, pouco antes da eleição do ex-presidente Fernando Collor de Melo, 20% do eleitorado apontava a corrupção como preocupação importante, segundo o Ibope.

No fim de 2017, com o noticiário dominado pela Lava Jato, a corrupção se tornou a principal preocupação para 62% dos eleitores, de acordo com o mesmo instituto.

Segundo o UBS, o novo cenário dá fôlego aos chamados "outsiders" (candidatos de fora do ambiente político), e seus economistas ainda não descartam uma candidatura do apresentador Luciano Huck, classificado como eventual candidato de centro - ele nega intenções eleitorais, apesar de aparecer bem colocado nas pesquisas.

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Depois de ocupar cargos em bancos em Nova York, Chicago e Londres, Volpon foi diretor do Banco Central durante o ajuste fiscal do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, durante o auge da crise do segundo governo Dilma.

Questionado sobre a nova condenação do ex-presidente Lula, o economista-chefe do banco suíço diz que o "mercado esperava a confirmação da decisão de Moro", mas sugere que o ambiente de divisão política no Brasil pode tornar avaliações mais simplistas ou equivocadas.

"O que tenho dito para meus investidores é que não podemos ser levados por questões ideológicas", diz Volpon.

"O Brasil, como muitos outros países, vive um momento muito polarizado. Eu tendo a ter amigos e contatos nos dois lados do debate e vejo diferenças muito grandes na forma que eles narram o que está acontecendo."

Para a maior parte dos analistas de mercado, uma eventual candidatura de Lula é avaliada como um fator de risco para as reformas implementadas pelo presidente Michel Temer.

Volpon diz que é cedo para especulações, e classifica Lula como "um político extremamente pragmático".

"Ele sempre demonstrou isso e sabe a diferença entre ser candidato e presidente, porque já foi os dois", afirma.

Parte da rejeição do mercado, para o economista-chefe do UBS, ocorreria porque a eventual candidatura do petista não apresentou uma plataforma econômica clara, que possa ser debatida e avaliada pelos mercados - como foi a "Carta ao Povo Brasileiro", em que Lula buscou tranquilizar investidores, antes de se eleger pela primeira vez.

"Quando se conversa com o pessoal que está pensando o que poderia se tornar uma possível plataforma econômica em um governo Lula, ouve-se, sim, críticas às reformas do governo Temer, mas ouve-se também propostas de outro tipo de reforma da Previdência", aponta Volpon.

"Eles não negam a necessidade de uma reforma da Previdência, de um ajuste fiscal duradouro", avalia.

"A ideia não parece ser 'botar fogo no circo'."