Guerra na Síria: divisão do país poderia estabelecer a paz?

  • Pablo Esparza
  • Da BBC Mundo
Meninos fogem de uma explosão

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A guerra completou cinco anos sem perspectivas de um fim.

Após cinco anos de guerra civil, centenas de milhares de mortos e refugiados, o conflito na Síria não parece estar próximo do fim.

Diante da baixa perspectiva de vitória para todos os lados beligerantes , a questão que ganha força é se o país conseguirá recuperar a unidade perdida durante o conflito.

Há meses, diferentes setores têm lançado propostas que sugerem a divisão de poder e a separação, ao menos por um tempo, do território como opção para chegar a um cessar-fogo que permita depois a negociação de uma paz duradoura e a reconstrução do Estado sírio.

Explosão

Crédito, AP

Legenda da foto, É possível resolver o conflito na Síria mantendo a unidade do país?

Mas a divisão do país é inevitável para se alcançar a paz? Ou será possível manter a unidade do território?

Bassel Salloukh, professor associado da Universidade Americana Libanesa, disse à BBC Mundo que um possível acordo para dividir o poder vem sendo discutido há algum tempo.

Destruição em Aleppo

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Mais de 300 mil pessoas morreram no conflito deflagrado por manifestações contra Bashar al Assad.

"Acredito que o termo 'divisão' é equivocado. A discussão não está em dividir a Síria em diferentes Estados, mas em afastar-se do modelo de Estado unitário centralizado em direção a algum tipo de federalismo ou confederação".

Desacordo

No final de setembro, o secretário geral da Liga Árabe, Ahmed Aboul-Gheit, defendeu o modelo federal como uma via para evitar uma divisão maior do país.

Meses antes, às vésperas de um efêmero cessar-fogo - que começou em 26 de fevereiro e foi rompido semanas depois -, o secretário de Estado americano, John Kerry, sugeriu que se a trégua fracassasse "poderia ser tarde demais para manter a Síria unida".

Militar sírio em Aleppo

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A cidade de Aleppo foi cenário de bombardeios de forças russas e do governo de Assad.

Mas não há uma única fórmula para o país se reorganizar. "O governo sírio, a Rússia e provavelmente o Irã pensam em termos de resgatar o Estado sírio em sua unidade e restaurar a autoridade do governo em todo o território", afirmou Salloukh.

Os curdos, que controlam partes do norte e do nordeste do país, defendem uma solução diferente: desde março eles declararam unilateralmente um sistema federal na zona sob seu poder.

O governo em Damasco não reconheceu a ação e argumentou que ela não teria base legal.

Deter os combates

Entretanto, alguns analistas sugerem que, para começar a negociar sobre a futura organização do Estado sírio, primeiro é necessário chegar a um cessar-fogo.

E isso implica assumir que a situação no terreno é, de fato, uma divisão em áreas controladas pelos rebeldes, pelo governo, pelas forças curdas, pelo autoproclamado Estado Islâmico e por outros grupos jihadistas.

Combatientes rebeldes en Siria

Crédito, AFP

Legenda da foto, Há muitos grupos diferentes combatendo na Síria, por isso o caminho para a paz é complexo.
Pule Podcast e continue lendo
BBC Lê

Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.

Episódios

Fim do Podcast

"Defendemos que a primeira coisa a se fazer é deter os combates. Se isso acontecer é necessário que a Síria seja dividida, mesmo que seja de forma temporária, com algumas zonas governadas pelo regime e outras pela oposição", afirmou James Dobbins, que foi embaixador dos Estados Unidos na União Europeia entre 1991 e 1993 e representante especial de Washington no Afeganistão e no Paquistão entre 2013 e 2014.

Dobbins é um dos autores do relatório Um plano de paz para a Síria, publicado pela RAND Corporation, um centro de estudos sobre políticas globais, sediado nos Estados Unidos.

"A solução a longo prazo do conflito através do diálogo político provavelmente terá como resultado um certo grau de descentralização".

"Mas defendemos um cessar-fogo primeiro e uma negociação depois sobre a forma e estrutura do novo Estado sírio", afirmou ele à BBC Mundo.

"Os sírios deverão escolher (...). Há vários modelos. Um é o modelo bósnio, que é um país dividido geograficamente e com um acordo de poder no centro. Outro modelo é o Líbano, que não está dividido geograficamente, mas tem acordos de divisão de poder."

Rescatistas sirios

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Cessar-fogo é negociado para que negociação política avance.

"E outro modelo é o Iraque, que prevê a opção de ter regiões separadas - uma das quais já existe no Curdistão (...). Acredito que há muitos modelos que os sírios podem copiar quando tentarem reconstruir seu Estado", disse o diplomata americano.

Zonas seguras

O plano que Dobbins ajudou a elaborar prevê a criação de várias "zonas seguras" em função de limites étnico-religiosos e das linhas das frentes de batalha no momento em que for estabelecido o cessar-fogo.

Na atualidade, isso suporia a criação de três áreas nas quais se respeitaria uma cessar-fogo negociado entre as partes: uma zona controlada pelo governo de Bashar Assad, outra controlada pela oposição e uma terceira controlada pelos curdos.

Os territórios fora dessas demarcações são aqueles ocupados pelo autoproclamado Estado Islâmico, com o qual não se prevê o estabelecimento de um cessar-fogo.

"Isso é preferível à continuidade da guerra. Não creio que haja uma alternativa em vista. E parece menos provável que a oposição ganhe a guerra. Por isso, as alternativas são uma vitória completa de Assad ou um cessar-fogo baseado mais ou menos nas posições atuais", disse Dobbins.

"Se houver uma intenção de manter um Estado unitário, haverá um conflito contínuo e, talvez, a divisão definitiva do país", afirmou ele.

Canciller ruso Sergei Lavrov

Crédito, Reuters

Legenda da foto, A intervenção da Rússia mudou o rumo do conflito na Síria.

Entretanto, os especialistas dizem que demarcar as áreas de cada força trará grandes dificuldades.

"A questão é o que ficará de cada lado das linhas. Aleppo é muito interessante. Dentro das zonas controladas pelo governo há uma mistura de religiões, etnias e classes sociais", disse Salloukh.

"Os tipos de limites estabelecidos dependerão de como evoluirá a batalha por essa cidade", disse o professor libanês.

Mais divisões

Os críticos dessa opção argumentam que a criação de zonas seguras pode abrir a porta para a consolidação de zonas autônomas, independentes ou semi-independentes, potencialmente conflitivas ou instáveis.

Eles afirmam que corre-se o risco de aumentar as divisões religiosas e étnicas na região.

Um homem e um menino em cidade arruinada

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Há cerca de 275 mil pessoas vivendo em Aleppo em meio ao conflito

"Se fala de etnias ou de afiliações religiosas, mas na realidade a situação na Síria é mais complexa", afirmou Nicolas Tenzer, professor associado da Escola de Assuntos Internacionais de Paris.

"Por exemplo, se considerarmos a minoria cristã teremos alguns grupos que apoiam Assad e outros que foram perseguidos por seu governo. De modo que não há grupos puros. Dentro das zonas sunitas encontramos minorias xiitas".

O francês critica a criação de zonas seguras porque ela permitiria que o presidente sírio consolide seu poder ao menos em uma parte do país.

"Creio que é uma questão de prioridades. A descentralização poderia funcionar caso se acabe antes com o regime de Assad e com o Estado Islâmico", disse Tenzer à BBC Mundo.

"Nessas condições, poderia se entrar em um processo de verdade e reconciliação e planejamento a longo prazo de um tipo de descentralização. Mas com o regime de Assad, com o EI e com as interferências de combatentes estrangeiros, do Irã, de milícias xiitas, do Hezbollah e de outros grupos... não vejo como a descentralização poderia funcionar".

Secretário de Estado dos Estados Unidos., John Kerry

Crédito, AP

Legenda da foto, Muitos esperam a eleição americana para saber qual será a posição dos EUA sobre a Síria.

"Não há boas opções no momento (...). Creio que a única opção boa é estabelecer uma zona de exclusão aérea".

"Para mim essa seria a prioridade. Impor ao regime de Assad uma zona de exclusão aérea e lutar de forma mais decidida conta o EI".

"Mas para isso é preciso esperar a próxima administração americana e ver se estará disposta a propor essa opção".