Lobby nos EUA movimenta US$ 3,3 bilhões

Rua K, que concentra lobistas em Washington (WikiCommons)
Legenda da foto, Rua K, em Washington, é a 'meca' dos lobistas, reunindo advogados e consultores políticos

A rua K, no centro de Washington, seria apenas mais uma avenida moderna e indiferente de uma grande cidade americana, se não fosse pela sua alcunha de "meca" dos lobistas.

De um lado e de outro, firmas de advocacia e escritórios de consultoria política vendem serviços corporativos de alto valor agregado: a mediação das relações entre seus clientes e o governo americano.

A atividade de lobby alcançou US$ 3,3 bilhões (R$ 6,6 bilhões) no ano passado, segundo cálculos da organização Center for Responsive Politics (CRP), que monitora as informações repassadas, por lei, pelas entidades e empresas ao Senado americano.

A lei americana de lobbies requer que as entidades, indivíduos ou empresas declarem trimestralmente informações como os valores gastos, a área na qual se fez o lobby e o departamento "alvo" da ofensiva.

Entretanto, entidades criticam a ausência da necessidade de se declararem os nomes dos parlamentares contatados, ou as leis específicas que foram alvo da discussão.

Especialistas lembram que a força destes lobbies está não apenas nas suas atividades juntos aos congressistas, mas também na sua extensa base de afiliados/eleitores e seus recursos milionários para o financiamento de campanhas eleitorais.

"Acho que o lobby tem uma função importante, que é a de prover as partes interessadas (em uma legislação) a oportunidade de passar a sua mensagem para os membros do Congresso. Afinal, eles têm conhecimento sobre o assunto", disse à BBC Brasil a diretora de Pesquisas do CRP, Sarah Bryner.

"O problema é quando um lado tem muito mais poder, dinheiro e influência que o outro. Há histórias clássicas de que é impossível conseguir uma reunião com um deputado se sua organização ou empresa não tiver contribuído com a campanha dele."

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Os números do CRP mostram um retrato complexo de uma atividade que, no ano passado, foi exercida por 12,4 mil pessoas registradas junto ao Congresso americano.

A primeira constatação é o peso das corporações. Em áreas como a saúde e o setor financeiro e imobiliário, os gastos corporativos com lobby se aproximaram de meio bilhão de dólares no ano passado (ver quadros).

Liderando essas despesas no ano passado, as farmacêuticas despejaram US$ 234 milhões nessa finalidade, seguidas de longe pelas seguradoras, companhias elétricas, petroleiras, empresas do setor agrícola e de defesa, e mesmo das indústrias de tecnologia e TV e cinema.

Definir exatamente como e quando esse dinheiro é capaz de influenciar as decisões legislativas é um desafio, explica Sarah Bryner.

"Muitas vezes o resultado de um lobby é evitar uma emenda, ou evitar a votação de um projeto. Sabemos das leis que o Congresso vota, mas projetos podem nunca ser levados ao plenário e nunca vamos saber."

Porém, ela diz que se engana quem acha que o lobby é uma atividade exclusiva de "executivos corporativos bem pagos para representar os interesses capitalistas conservadores".

Há lobbies em prol de causas "de esquerda", como as defendidas por entidades de meio ambiente que gastaram US$ 16,4 milhões no ano passado.

Encabeçados pela organização Planned Parenthood, o lobby a favor do aborto gastou US$ 1,2 milhão em 2012, o dobro do que foi gasto por grupos contra o aborto. Há que se ressaltar, entretanto, que a atividade política das igrejas – os principais atores políticos entre os chamados grupos pró-vida – não é contabilizada neste cálculo.

Como as corporações, os grupos de pressão política estão organizados na capital americana porque entendem o valor da articulação política, indica o CRP. Somados, os lobbies "ideológicos", superaram US$ 125 milhões em 2012.

Nesta categoria também estão lobbies tradicionais, como o conservador pró-Israel, que no ano passado desembolsou US$ 3,5 milhões – 77% disto vindos do Comitê de Assuntos Públicos Americano-Israelense (Aipac, na sigla em inglês).

E também o lobby a favor das armas, que no início deste ano conseguiu reunir tamanha força a ponto de já ser considerado o mais influente na atual política americana.

Os grupos a favor das armas de fogo gastaram US$ 6 milhões em lobby no ano passado, 25 vezes mais que os grupos a favor do controle delas.

Interesses brasileiros

Sem o poder financeiro das corporações, nem o músculo extra dos grupos de pressão locais, estão as entidades que defendem os interesses brasileiros na capital americana.

Atualmente, o escritório King & Spalding LLP vem declarando gastos de US$ 80 mil por trimestre para representar os interesses da Embraer junto ao Congresso americano, o Departamento de Defesa, e órgãos americanos do setor de transporte.

A um custo de R$ 30 mil trimestrais, a associação do setor sucroalcooleiro, Unica, faz lobby para manter as cotas destinadas ao etanol avançado – categoria onde se encontra o biocombustível brasileiro – no mercado americano.

"Como estrangeiros, nós não temos o peso do eleitorado nem podemos contribuir com campanhas políticas: precisamos que um congressista americano acredite na nossa causa", resumiu a representante da Unica Letícia Phillips.

Apesar de contrariar grandes interesses nos setores do milho (matéria-prima do etanol americano) e petroleiro, a organização conseguiu uma vitória ao derrubar em 2011 uma tarifa aplicada ao etanol importado do Brasil. No ano anterior, a indústria bateu seu recorde em valor de lobby - US$ 315 mil, segundo a compilação do CRP.

Outro setor em que os interesses brasileiros se chocam com os grandes lobbies americanos é o do algodão.

Desde 2009, o Brasil está autorizado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) a retaliar os EUA por subsídios ao setor algodoeiro que só podem ser removidos com uma mudança na lei agrícola que está parada no Congresso americano.

Um acordo entre os países permite evitar as medidas mediante pagamento anual de US$ 148 milhões dos EUA ao Brasil – mas o entendimento é temporário.

Segundo dados do Senado, só no ano passado as entidades americanas do setor algodoeiro destinaram US$ 914 mil para defender, entre outros subsídios, os seguros de colheita questionados pelo Brasil.