Mulheres são mais interrompidas que homens em conversas de trabalho?

  • Renata Mendonça
  • Da BBC Brasil em São Paulo
Trump e Hillary

Crédito, Reuters

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Hillary Clinton foi interrompida 51 vezes por Donald Trump durante suas falas, o que levantou debate sobre o chamado "manterrupting"

Para marcar o Dia Internacional da Mulher nesta quarta-feira, uma agência de publicidade de São Paulo lançou um app que "escuta" conversas em reuniões de tabalho e conta as vezes que uma mulher tem sua fala interrompida por um homem.

O aplicativo, chamado Woman Interrupted, vem chamando atenção da mídia internacional porque reflete um debate que vinha ganhando força nas redes sociais, principalmente durante a campanha presidencial nos Estados Unidos no ano passado.

Em um dos embates entre os presidenciáveis, constatou-se que Hillary Clinton foi interrompida 51 vezes por Donald Trump durante seu tempo de fala. A discussão que veio à tona foi se, e por que, mulheres são mais interrompidas do que homens.

Até mesmo um termo foi criado para dar nome aos casos, o "manterrupting". Ele ocorre quando mulheres não conseguem concluir a fala por serem interrompidas por homens sem necessidade. Entre os outros casos que despertaram discussões sobre "manterrupting" esteve o de Kanye West interrompendo um discurso de aceitação de prêmio de Taylor Swift no VMA de 2009, e o do apresentador James Corden cortando a fala de Adele no Brit Awards de 2012.

Não se sabe exatamente onde ou quando o termo surgiu, mas o assunto é um tema frequentemente pesquisado, tanto por mulheres, quanto por homens. Mas afinal, o que essas pesquisas revelam sobre o fenômeno?

Mulher em mesa de reunião

Crédito, Thinkstock

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Estudo mostrou que mulheres são interrompidas duas vezes mais do que homens

Estudos

Um estudo realizado em 2014 na Universidade de George Washington (EUA) e liderado por Adrienne B. Hancock, pesquisadora de comunicação e gênero, mostrou que mulheres são duas vezes mais interrompidas que homens em conversas neutras. A pesquisa utilizou 40 pessoas - 20 homens e 20 mulheres - e estimulou diálogos aleatórios, de mulheres com mulheres, de homens com mulheres, de homens com homens.

O resultado constatou que mulheres foram 2,1 vezes mais interrompidas por homens em conversas de três minutos. Mais do que isso, o estudo mostrou que mulheres também são mais interrompidas por outras mulheres: quando falavam com uma interlocutora, elas interrompiam até 2,9 vezes. Mas mulheres só interrompiam homens em média apenas uma vez.

"O que de fato descobrimos é que mulheres têm suas falas interrompidas com mais frequência - tanto por homens, quanto pelas próprias mulheres", afirmou Hancock à BBC Brasil.

"Há explicações diferentes para isso, já que muitos outros aspectos da conversa são relevantes, além do gênero dos participantes. Algumas pessoas dizem que mulheres são interrompidas por homens porque homens gostam de dominar; outros dizem que mulheres são interrompidas por mulheres porque essa é uma forma de facilitar a amizade."

Na pesquisa de Hancock, pelo fato de as conversas terem tom neutro e não serem relacionadas a trabalho, não foi possível identificar ao certo se haveria uma explicação "cultural" para as interrupções.

"Seria preciso fazer pesquisas mais específicas, em contexto de trabalho, para entender isso. Acho que pode existir uma explicação cultural, mas não há provas concretas que expliquem por que homens estão fazendo isso ou por que mulheres estão fazendo isso."

Mulher em mesa de reunião

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Em situações de trabalho, pesquisador diz que homens falam durante 75% do tempo

Quem fala mais?

Já o cientista político e pesquisador Christopher Karpowitz, da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos, identificou um outro aspecto da questão: em situações de trabalho, além de sofrerem interrupções, as mulheres falam menos.

Segundo a pesquisa "Desigualdade de Gênero em Participações Deliberativas" realizada por ele em 2012, os homens falam durante 75% do tempo em discussões de trabalho, .

O experimento foi realizado com 94 grupos de pelo menos cinco pessoas - em que havia uma ou duas mulhers -, que tinham de discutir o que fazer com uma quantia de dinheiro que elas haviam ganhado juntas. A decisão teria de ser tomada de duas maneiras: a primeira, por maioria, e a segunda, por unanimidade.

Na primeira situação, as mulheres falaram bem menos. De acordo com o pesquisador, isso acontecia porque, por serem minoria, se sentiam menos "influentes" no grupo e sentiam que dificilmente sua voz seria ouvida.

Mas quando a decisão precisava ser tomada por unanimidade, as mulheres se sobressaíam - mesmo estando em menor número.

Ainda segundo a pesquisa, os resultados constataram que os grupos chegaram a decisões diferentes dependendo da quantidade de intervenções femininas na discussão. "Quando as mulheres participavam mais, elas traziam perspectivas únicas e muito úteis para a questão em discussão", explicou Karpowitz.

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Apesar de muitas mulheres já terem percebido e relatado situações em que foram frequentemente interrompidas por homens em reuniões ou apresentações de trabalho, não há uma explicação científica ou exata para as ocorrências.

Pesquisadores do tema, porém, levantam algumas possibilidades. A especialista em comunicação e gênero Deborah Tannen, autora de You Just Don't Understand: Women and Men in Conversation (Você Não Entende: Mulheres e Homens em Conversação em tradução livre), afirma que homens "tendem a falar para atingir um poder ou um status", enquanto mulheres em seus discursos "buscam uma conexão em suas falas".

A colunista do New York Times e também especialista em gênero Jessica Bennett pontua também a questão cultural e histórica que pode estar envolvida nessas situações.

"Estes comportamentos são profundamente enraizados, socialmente arraigados e que remontam há milhares de anos. Se você olhar para a história, sempre foram os homens os únicos a falar e assumir o controle. Eles foram ensinados a liderar e falar, e as mulheres foram ensinadas a ouvir", afirmou à BBC Brasil.

Autora do livro Feminist Fight Club: A Survival Manual for a Sexist Workplace (Clube da Luta Feminista: Um Manual de Sobrevivência para um Local de Trabalho Machista", na tradução livre), Bennett tem alguns conselhos para mulheres que desejam fugir do "manterrupting" e se fazer ouvidas.

"Um deles é continuar falando até quem te interrompeu parar de falar. Outro é se debruçar, literalmente, sobre a mesa, colocando os cotovelos sobre ela, porque pesquisas mostram que isso passa a impressão de autoridade e faz com que as pessoas sejam menos interrompidas", disse.

"E a minha estratégia favorita: interromper quem está te interrompendo. É só dizer: 'então, você pode me deixar terminar?'. Pode parecer estranho, mas realmente funciona", concluiu.