Surto de cólera agrava crise humanitária no Iêmen

  • Johannes Bruwer
  • Especial para a BBC*
Heba, um bebê de um ano, recebe tratamento contra o cólera

Crédito, ICRC Yemen

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Surto poderá atingir meio milhão de pessoas

Crianças morrendo nos corredores de hospitais. Quatro pacientes na mesma cama. Pessoas tomando soro em seus carros porque o hospital está lotado.

Bem-vindos ao sistema de saúde pública do Iêmen em 2017.

As cenas chocantes que presenciei na capital do país árabe, Sanaa, são consequência de uma catástrofe humanitária crescente.

Em uma nação cuja infraestrutura está devastada por uma brutal guerra, ainda em andamento, o número de gente afetada por uma epidemia de cólera cresce aos milhares diariamente.

Criança atendida no hospital

Crédito, EPA

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Crianças estão entre as vítimas do cólera

Os quartos de hospitais, apesar de cheios, estão silenciosos. Os pacientes apenas olham para nós. Pais e mães seguram a mão de suas crianças, algumas com os olhos revirados.

Sobrecarregados e há meses sem receber salários, médicos e enfermeiros fazem o que podem, mas sofrem com a ausência tanto de medicamentos quanto de conhecimento sobre a doença. Duas razões que explicam por que a cólera se alastrou tão rápido.

Esse surto já infectou mais de 200 mil pessoas no Iêmen, e pode chegar a meio milhão. Mais de 1,3 mil pessoas morreram.

As condições precárias do país podem fazer com que este seja o maior surto de cólera da história recente.

Iemenitas recebem tratamento médico em um hospital de Sanaa

Crédito, EPA

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Surto afeta cerca de 268 distritos do país

A cólera não deveria ser tão implacável. Prevenir essa doença é bem simples na teoria: lave as mãos com água limpa, beba água limpa e apenas coma alimentos fervidos ou cozidos.

Porém, águal potável no Iêmen é um luxo. Falta ainda eletricidade, enquanto o lixo se acumula pelas ruas. O sistema de esgoto parou de funcionar em 17 de abril. Dez dias depois, surgiram os primeiros casos de cólera.

Mulher passa junto a pilha de lixo em Sanaa

Crédito, Reuters

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Condições ruins de saneamento e falta de água potável deixam população exposta.

Uma intervenção maciça é necessária, mas até não agora não houve atenção internacional suficiente para o que está se passando no Iêmen, até recentemente um país relativamente funcional.

Apesar dos problemas, o país árabe tinha o sistema educacional de de saúde funcionando, e havia água e eletricidade 24 horas por dia, bem como coleta de lixo.

Esses pilares de uma sociedade saudável, porém, ruíram a partir de 2011, com os eventos da Primavera Árabe, cujos efeitos foram acelerados com a guerra civil, iniciada em 2015.

A violência, agora, é parte da vida cotidiana. Enquanto escrevo este artigo, ouço ataques aéreos.

Ruínas de casa destruída por bombardeio em Sanaa

Crédito, EPA

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Dois anos fde guerra civil deixaram 18 milhões de pessoas precisando de ajuda humanitária no Iêmen

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha está providenciando atendimento para pelo menos 20% dos casos de cólera no país. Enviamos cinco aviões para o Iêmen, carregando grandes quantidades, de cloro, soro e outros produtos médicos nos últimos dias.

Funcionários do Comitê Internacional da Cruz Vermelha trabalham em 17 centros de tratamento ao redor do país. Estamos trabalhando para melhorar as condições de higiene e saneamento, além de promover campanhas educacionais sobre o cólera.

Mas mesmo com o apoio de nossa organização -e de outras agências como o Médicos Sem Fronteiras e a Organização Mundial da Saúde -, há muita gente que ainda precisa de ajuda.

Caminhão piopa em Sanaa

Crédito, EPA

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Mais de 14 milhões de iemenitas não têm acesso a água potável ou esgoto

Em 11 anos de trabalho com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, visitei o Iêmen três vezes. Nunca tinha visto sofrimento neste grau. E mesmo que um milagre fizesse a crise do cólera desaparecer, ainda há o problema da guerra.

Os efeitos dessa mortandade serão sentidos pelos iemenitas por muitos e muitos anos.

Johannes Bruwer é o chefe adjunto da delegação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha no Iêmen.