O jogo está sendo jogado: como o PSDB decidirá seu futuro nos próximos meses

  • André Shalders - @shaldim
  • Da BBC Brasil em São Paulo
O prefeito de São Paulo, João Doria(esq) com o líder do PSDB na Câmara, Ricardo Tripoli e outros congressistas tucanos

Crédito, Wilson Dias / Agência Brasil

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O atual líder tucano na Câmara, Ricardo Tripoli (SP), é próximo de Alckmin e orientou o partido a votar contra Temer.

O PSDB atravessa uma crise profunda. De um lado, Aécio Neves (PSDB-MG) tenta atrelar o partido ao governo Temer, fugir do ostracismo político e manter o foro privilegiado, escapando de um possível julgamento na 1ª Instância da Justiça. De outro, Geraldo Alckmin busca afastar o PSDB do impopular ocupante do Planalto e conter os movimentos de João Doria, que lhe ameaça as pretensões presidenciais. É neste cenário que o PSDB decidirá, até dezembro, a nova cúpula partidária e o candidato presidencial de 2018.

Quando o Congresso concluiu o impeachment de Dilma Rousseff, em meados de 2016, o PSDB estava diante de sua melhor chance de eleger o próximo presidente da República desde 2002. O PT, adversário histórico, atingia o fundo do poço. Em um ano, o PSDB chegou a uma crise que, no limite, põe em questão a própria sobrevivência do partido.

A reportagem da BBC Brasil conversou com mais de uma dezena de congressistas, dirigentes e assessores tucanos para entender o que poderá acontecer com o terceiro maior partido político do país.

O calendário está recheado de datas-chave para o PSDB nos próximos meses: acaba no fim de setembro o prazo para quem quiser mudar de partido; em 1º de outubro começa a etapa municipal da convenção que mudará o comando da sigla. E, em algum momento de dezembro a março, o partido terá de definir o presidenciável de 2018. Também em dezembro, os congressistas escolherão os líderes na Câmara e no Senado para 2018.

Na última quinta-feira, o PSDB usou o tempo de propaganda partidária para desferir um ataque contundente contra o presidente da República. O governo Temer, do qual o partido faz parte com quatro ministros, foi chamado de "presidencialismo de cooptação", formado por "políticos e partidos que só querem vantagens pessoais e não pensam no país".

Quem são os 'cabeças-pretas'

Parece contraditório, e é: o discurso veiculado na TV representa o que pensam os "cabeças-pretas", um grupo cujo núcleo é formado por cerca de 15 deputados federais (a maioria de jovens, daí o nome) e que defende o rompimento com o governo Temer.

Neste momento, os "cabeças-pretas" estão unidos em torno da tarefa de eleger o senador Tasso Jereissati (CE) como presidente nacional do PSDB pelos próximos 2 anos. A linha política do programa de TV foi definida, em grande parte, por Tasso, que, interinamente, preside a legenda.

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"Eu acho que o programa dialoga com a vida real. Enfrenta a realidade. Não busca atalhos. Não fica dourando a pílula. A crítica não é direcionada a esse ou aquele governo, mas é uma constatação de que o modelo está esgotado", defende o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), um dos integrantes do grupo de "cabeças-pretas".

Tasso Jereissati chegou ao comando do partido em maio, quando Aécio Neves (PSDB-MG) foi atingido pela delação dos empresários Joesley e Wesley Batista, donos do frigorífico JBS. Nos últimos dias, Tasso têm feito uma maratona de reuniões com deputados e outros dirigentes do PSDB, tentando consolidar a própria posição.

No grupo ligado a Aécio Neves, o programa de TV da quinta-feira aumentou a sensação de que é necessário acabar com a interinidade de Tasso e retornar o comando do partido para as mãos do senador mineiro o quanto antes. O discurso deste grupo é de que não há mais divisão no PSDB quanto a permanecer ou não no governo: a divergência teria sido superada quando a Câmara engavetou a denúncia contra Temer.

"Acabei de falar sobre isso [a divisão no PSDB] no almoço da FPA", disse à reportagem o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT). Ele se refere ao encontro semanal da Frente Parlamentar da Agropecuária, nome oficial da bancada ruralista, presidida por ele.

O presidente nacional interino do PSDB, Tasso Jereissati (esq.) e o presidente afastado da sigla, Aécio Neves

Crédito, Marcelo Camargo / Agência Brasil

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O programa eleitoral desta quinta-feira azedou de vez o clima entre Aécio (dir.) e Tasso Jereissati.

"Se a gente focar nas reformas, teremos unidade no PSDB. Você precisa entender quando sai vencedor ou sai derrotado. E é preciso entender que isso [a divisão do partido] se encerrou no dia da votação da denúncia [contra Temer]", diz Leitão.

Para a ala tucana que deseja permanecer no governo, há dois bons motivos para não romper com Michel Temer agora.

O primeiro é o acesso à "máquina": cargos, emendas e apoio do governo federal serão mais importantes do que nunca em 2018, uma eleição a ser disputada sem dinheiro de empresas privadas. Estar "de bem" com a União pode se reverter em benefícios (um posto de saúde, um trecho de rodovia asfaltado) para a localidade onde o deputado se elege . E este tipo de resultado costuma ser determinante para o sucesso nas urnas.

O segundo é a perspectiva de que, mais dia ou menos dia, a população começará a sentir os efeitos da melhoria do ambiente econômico. Afinal, o desemprego parou de aumentar, a inflação está baixa e os juros estão caindo. Para eles, quando o bem-estar aparecer, o PSDB poderá recolher os dividendos eleitorais de ter sido o fiador do atual programa econômico.

Além disso, Aécio Neves, golpeado pela Lava Jato, precisa da proteção que o governo Temer e o baixo-clero do Congresso podem lhe oferecer neste momento, lembram adversários do tucano.

O plano da ala "temerista" do PSDB só tem um problema: falta combinar com os "cabeças-pretas".

Para o deputado federal Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), a ideia de que a divisão no PSDB acabou com a votação do começo de agosto "não é real nem politicamente e nem matematicamente", diz. Ele cita o placar no PSDB: foram 22 favoráveis a Temer e 21 contrários.

"O partido está dividido. Eu continuo achando que o melhor é sair do governo Temer", diz Pedro, filho do senador tucano Cássio Cunha Lima.

Volta e meia, "cabeças-pretas" mencionam a possibilidade de deixar o partido caso prevaleça a tese de ficar junto a Temer até o final. "Eu não quero sair, não estou buscando sair. Com o Tasso [Jereissati], acho que o partido conseguirá se reposicionar e voltar a representar a sociedade. Evidente que se o partido se perdesse, aí tinha chance de sair gente do PSDB. A crise existe, e o partido está desgastado. Isso é fato. Se o partido negasse isso, era o caso de sair", diz o deputado Daniel Coelho (PE), um dos parlamentares jovens.

O núcleo bandeirante

Há outro peso-pesado no PSDB que não deseja alienar aTemer suas chances eleitorais: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Pessoas próximas ao governador dizem que Temer "tira votos", e é uma companhia tóxica em uma campanha majoritária.

Aliados de Alckmin inclusive desdenham da aproximação de Temer com o prefeito de São Paulo, João Doria. O presidente da República fez afagos públicos ao prefeito num evento do setor automotivo em São Paulo, no começo de agosto. Para os interlocutores de Alckmin, Doria não entende nada de política se acha que pode se beneficiar em 2018 da proximidade com Temer.

Há ainda a possibilidade de que Temer (amigo de Doria há anos) estivesse simplesmente fazendo um agrado a um nome importante do PSDB que defende a continuidade do partido no governo. Seria um movimento de autopreservação, já que o sucesso do peemedebista no Congresso depende do apoio dos tucanos.

Os aliados de Alckmin minimizam o fato de Doria pontuar melhor nas pesquisas que o governador, atualmente. "Ano passado, nessa época, o João Doria tinha 1%. Ninguém acreditou nele, e Geraldo acreditou. É muito cedo para fazer pesquisa. As pesquisas não têm nenhum valor hoje", diz o deputado estadual Pedro Tobias (PSDB-SP), presidente estadual do PSDB.

Alckmin possui ainda outra fragilidade que não atinge Doria: o governador foi citado na delação da Odebrecht, acusado de receber dinheiro de caixa dois. Ele nega irregularidades.

Publicamente, Doria diz que jamais iria contra o governador, a quem deve sua indicação para disputar a prefeitura de São Paulo no ano passado. Mas quem conversa com o prefeito diz que ele não tira da cabeça a ideia de concorrer à Presidência, mesmo que tenha de mudar de legenda. Nos últimos dias, Doria tem visitado vários Estados do Nordeste, região onde o PSDB é historicamente fraco.

Se Alckmin for mesmo candidato à Presidência, terá que se afastar do governo do Estado seis meses antes da eleição. O palácio dos Bandeirantes ficará temporariamente com o vice-governador Márcio França (PSB), que tem manifestas pretensões de ser o candidato a governador pelo polo da centro-direita. O próprio Alckmin atuou como fiador dos planos de França, mas seus aliados paulistas não estão convencidos de deixar para outra legenda o controle do Estado.

"Estamos aqui há quase 30 anos. Não vamos abrir mão agora", diz Tobias. Ele cita uma fila de possíveis candidatos tucanos: David Uip (secretário de Saúde do Estado), Luiz Felipe d'Avila (cientista político liberal), Floriano Pesaro (secretário de Desenvolvimento Social do Estado), Bruno Covas (secretário de Meio Ambiente), entre outros.

Como será a disputa

Alckmin conta com pelo menos mais um trunfo na disputa contra Aécio Neves: o secretário-geral do partido, Silvio Torres. Deputado federal por São Paulo, Torres é aliado de Alckmin e preside o grupo que definiu as regras para a convenção nacional tucana, prevista para começar em outubro.

Pelo calendário apresentado por Torres à reportagem da BBC Brasil, o processo começa com os municípios: do dia 1º ao dia 8 de outubro, todos as pessoas filiadas ao PSDB há mais de 30 dias poderão votar para eleger os delegados municipais, que escolherão o comando da sigla nas cidades.

Eles também escolherão os delegados das convenções estaduais, marcadas para 11 de novembro. Em 9 dezembro ocorre a convenção nacional do PSDB, que definirá o comando da sigla pelos próximos dois anos, renováveis por mais dois.

O controle do partido é importante por dois motivos: quem tiver a máquina partidária levará enorme vantagem na disputa da vaga presidencial. E numa eleição sem dinheiro de empresas, como será 2018, caberá aos dirigentes partidários direcionar o dinheiro das campanhas.

A regra do jogo nas prévias

Além da convenção partidária, quase todos os tucanos concordam com a necessidade de realizar prévias para definir o candidato presidencial.

Não há (ainda) uma data de consenso para a consulta no PSDB. Pode ser em dezembro, como quer Geraldo Alckmin, ou em fevereiro ou março, como desejam os mais simpáticos à candidatura de Doria.

Há uma proposta em discussão para o formato das prévias. Foi formulada pelo deputado federal Marcus Pestana (PSDB-MG), próximo a Aécio Neves e um dos tucanos que mais entende de temas como reforma política e sistemas eleitorais.

Pestana propõe limitar a cerca de seis mil pessoas o grupo que terá direito a votar nas prévias. No plano, apenas os membros do Diretório Nacional, deputados estaduais e federais, senadores, governadores, prefeitos, vereadores, membros de diretórios estaduais e os presidentes dos diretórios municipais participariam do pleito.

Nas atuais condições, o grupo de Aécio Neves levaria vantagem neste desenho. Se todos os filiados ao PSDB puderem votar, Alckmin tenderia a largar na frente, já que 21% dos filiados do PSDB estão em São Paulo. São 306 mil tucanos no Estado governado por Alckmin. Em Minas Gerais, são 155 mil.

Ainda não está claro quem o grupo de Aécio defenderá como candidato em 2018.

A justificativa de Pestana é criar um colegiado "sem questionamentos acerca de sua consistência e legitimidade". O deputado pretende ainda que haja ao menos um "grande debate na TV aberta ou em um grande site da internet" antes da votação, em um formato semelhante ao adotado pelos partidos americanos durante as prévias.

Outro aecista revela a preocupação de que as prévias pudessem ser influenciadas por filiações em massa, de pessoas sem ligação com o partido. O tucano lembra que isto chegou a ocorrer em alguma medida no PT, no período em que o partido adotou o chamado PED (Processo de Eleição Direta).

Geraldo Alckmin comanda uma reunião no Palácio dos Bandeirantes, cercado de aliados do PSDB

Crédito, Alexandre Carvalho / Governo do Estado de SP

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O governador Geraldo Alckmin está determinado a disputar a presidência da República em 2018.

Consenso em gestação?

Além de Tasso Jereissati, outro candidato em potencial à presidência do PSDB é o governador de Goiás, Marconi Perillo. Ele é ligado a Aécio Neves. Mas Perillo ventila nas internas que não toparia se candidatar se tiver de enfrentar uma disputa. Só aceitaria a missão se fosse aclamado, por unanimidade. Cenário pouco provável.

Dessa forma, alguns dirigentes tucanos defendem que se chegue a um consenso em torno de quem dirigirá o partido e de quem será o candidato em 2018.

"O futuro nos unifica, e o presente nos divide. O PSDB é um partido essencial para a reconstrução do centro de gravidade política do Brasil. E nós temos deixado um vácuo. O crescimento de Lula e Bolsonaro é prova disso", diz Marcus Pestana.

"Essa fase de 'controvérsias' está, a meu sentir, sendo superada. Somos pessoas do bem e nos respeitamos uns aos outros. Existe um respeito muito grande entre nós. Acho que caminhamos para essa unidade a partir de agora", diz o vice-presidente nacional do partido, o deputado federal Carlos Sampaio (PSDB-SP).

Apesar dos discursos apaziguadores, as movimentações sugerem que as palavras são vazias e que haverá disputa no fim do ano. "Você está vendo algum 'Lula' aqui para indicar um 'poste' e passar por cima de todo mundo? Isso aqui é o PSDB. É claro que haverá disputa, o que não é necessariamente ruim", resume uma assessora do partido.