De onde vem o hábito humano de fofocar?

  • Melissa Hogenboom
  • BBC Earth
Desde pequenos, gostamos de partilhar informações sobre nossas vidas e as de outras pessoas

Crédito, Alamy

Legenda da foto, Desde pequenos, gostamos de partilhar informações sobre nossas vidas e as de outras pessoas

Não espalha, tá? E, se alguém perguntar, nunca diga que fui eu que contei. Mas fofocar é um comportamento peculiar e íntimo, e isso dificulta muito saber de onde surgiu esse hábito tão comum entre os humanos.

As histórias sobre as possíveis origens da fofoca são interessantes porque se entrelaçam com a nossa própria evolução: como aprendemos a cooperar e nos tornamos mais sociáveis.

Explicando de maneira simples, a fofoca é uma ferramenta social que usamos para discutir as idas e vindas cotidianas das pessoas que nos cercam.

É verdade que muitas vezes, trata-se de algo malicioso. Mas, para cientistas, é também uma coisa positiva, uma espécie de “argamassa” que une um grupo social.

Siga a BBC Brasil no Facebook e no Twitter

Cérebro maior

Chimpanzés criam laços sociais com afagos, e a fofoca seria uma maneira de ampliar essa comunicação

Crédito, NPL

Legenda da foto, Chimpanzés criam laços sociais com afagos, e a fofoca seria uma maneira de ampliar essa comunicação

Para a fofoca ter surgido, primeiramente precisamos de uma forma básica de linguagem. A origem desta também é difícil de pontuar, já que ela não deixa fósseis.

Nosso ancestral comum com os primatas seria uma espécie mais rudimentar, com um cérebro limitado, o que significa que eles se comunicavam com grunhidos e vocalizações semelhantes aos dos atuais chimpanzés.

Novas pesquisas, no entanto, revelam que a comunicação entre símios é mais sofisticada do que se pensava. Chimpanzés integrados a um grupo que já vivia no zoológico de Edimburgo, na Escócia, rapidamente aprenderam vocalizações com novos significados, como “maçã”, por exemplo.

Segundo Katie Slocombe, da Universidade de York, na Grã-Bretanha, essas vocalizações contêm informações importantes e nos dão pistas de como a linguagem humana evoluiu.

Além de desenvolver habilidades linguísticas, nossos ancestrais também tiveram que desenvolver um cérebro maior, necessário para imaginar, processar e articular as informações sobre nosso entorno.

O Homo erectus surgiu há 1,8 milhões de anos e tinha um cérebro bem maior que seus antepassados. Ele foi o primeiro humanoide a deixar a África e colonizar partes da Europa e da Ásia.

Seu cérebro passou a permitir a organização de sociedades cada vez mais complexas, o que conduziu à evolução de uma linguagem mais complexa.

Compartilhando conhecimento

Até hoje, tribos costumam usar as noites para contar e ouvir histórias

Crédito, NPL

Legenda da foto, Até hoje, tribos costumam usar as noites para contar e ouvir histórias
Pule WhatsApp e continue lendo
No WhatsApp

Agora você pode receber as notícias da BBC News Brasil no seu celular

Entre no canal!

Fim do WhatsApp

Mas há outros componentes nessa história, porque os primeiros humanos também precisavam de outras habilidades para sobreviver.

Para dominar a caça e a colheita, eles precisavam aprender a cooperar. E a maneira mais eficiente de fazer isso é compartilhando informações sobre o papel de cada indivíduo. Ou seja, fofocar sobre os outros.

Essa é a teoria defendida por Klaus Zuberbuehler, da Universidade de St. Andrews, na Grã-Bretanha. “Conforme nossos ancestrais foram deixando as florestas para as áreas de savana, mais abertas, aumentou a necessidade de trabalharem juntos para conseguirem caçar com sucesso. Isso forjou um alto grau de trabalho em equipe e compartilhamento de informações pessoais”, explica.

Essa vontade de partilhar informações pode ser notada nas crianças de hoje. Desde muito cedo, elas destacam fatos de suas vidas e de suas famílias e amigos.

“Foi esse aspecto social e de apoio, típico da natureza humana, que permitiu que a fofoca surgisse”, afirma Zuberbuehler.

Para ele, a fofoca não surgiu entre nossos ancestrais como uma extensão da necessidade de aliciar um ao outro. O cientista aponta para evidências de que o ser humano é capaz de “se unir intencionalmente”, dividindo informações para chegar a um objetivo comum, muitas vezes de longo prazo, enquanto símios tendem a cooperar apenas para atender a suas necessidades imediatas e individuais.

Em torno da fogueira

Cientistas acreditam que um dia poderão identificar o 'DNA da fofoca', ligado à linguagem

Crédito, Alamy

Legenda da foto, Cientistas acreditam que um dia poderão identificar o 'DNA da fofoca', ligado à linguagem

Mas como qualquer boa história, esta aqui também tem uma reviravolta surpreendente.

Isso porque outra teoria começou a ganhar força: a de que a fofoca evoluiu como consequência da capacidade do homem de controlar o fogo.

Entenda: durante o dia, os primeiros humanos passavam boa parte do tempo tentando se manter vivos, procurando comida e abrigo enquanto tentavam escapar de predadores. De noite, só lhes restava dormir.

Mas ao aprender a fazer fogo, talvez há cerca de 1 milhão de anos, o homem transformou as horas de escuridão. Mais aquecidos e seguros em torno de uma fogueira, os humanoides tiveram a oportunidade de se comunicar de maneira mais livre e sobre assuntos menos sérios.

Alguns estudos recentes sustentam essa ideia, mostrando que as conversas em tribos de hoje mudam do dia para a noite. Por exemplo, de dia, os Kalahari, que vivem no deserto de Botsuana, falam sobre assuntos práticos. De noite, conversam de maneira diferente e adoram contar e ouvir histórias.

E uma boa história é sempre base para uma boa fofoca.

O DNA da fofoca?

Mas determinar a origem exata da fofoca pode ser uma tarefa árdua, já que se trata de algo de natureza efêmera. Alguns indícios podem surgir conforme estudamos mais o DNA de nossos ancestrais.

Cientistas já sequenciaram o genoma do homem de Neandertal e o de seu parentes mais próximo, o hominídeo de Denisova. E reconhecem que os neandertais possuem uma versão de um gene essencial para a fala, que nós também temos.

Mas até conseguirmos provar algo concretamente, a origem da fofoca será algo como a própria fofoca: uma mistura de fatos e especulações.