Para Nobel de Economia, setor financeiro pode estimular melhores serviços públicos

  • Paula Adamo Idoeta
  • Da BBC Brasil em São Paulo
Robert Shiller (Getty)
Legenda da foto, Shiller venceu o Prêmio Nobel por suas pesquisas sobre preços de ativos financeiros

Inovar e aprimorar projetos financeiros pode ser uma resposta à insatisfação popular, ajudando o governo a oferecer melhores serviços públicos e a população a entender melhor como funcionam os mercados financeiros e o uso dos recursos públicos em países como o Brasil, argumenta Robert Shiller, um dos três economistas vencedores nesta segunda-feira do Nobel de Economia.

Shiller, que foi premiado junto com Eugene F. Fama e Lars Peter Hansen por suas pesquisas em análise de preços de ativos financeiros, concedeu entrevista à BBC Brasil no final de agosto, um dia antes de sua passagem pelo Brasil para um congresso da BM&FBovespa.

O professor da Universidade Yale citou suas preocupações quanto a uma possível bolha imobiliária em cidades como São Paulo e Rio – ele foi um dos primeiros a identificar a alta excessiva nos preços de imóveis nos EUA, que levou à crise econômica em 2008 – e sobre seu livro mais recente, <i>Finanças para uma Boa Sociedade</i>.

Na obra, ele faz uma defesa do capitalismo financeiro, mas diz que o desafio dos economistas e políticos é "ajudar as pessoas a encontrar um propósito social mais amplo no sistema econômico", reduzindo desigualdades sociais, usando melhor os recursos públicos e atraindo incentivos privados para projeto sociais.

Questionado sobre a recente onda de protestos populares no Brasil, Shiller destacou a importância da adoção de novas iniciativas financeiras a fim de aprimorar a relação entre o governo e a população.

"A solução dos problemas (levantados pelos protestos) passa por melhorar o entendimento sobre as atividades econômicas", afirmou.

'Desenhos' de mercado

Não há ferramentas prontas, mas ideias inovadoras para isso incluem, por exemplo, modos alternativos de financiar políticas sociais.

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Shiller cita o exemplo dos <i>Social Impact Bonds</i> (“títulos de impacto social”, em tradução livre), emitidos pela primeira vez em setembro de 2010 pelo governo britânico.

A ideia é atrair financiadores privados para projetos públicos, que têm uma meta a ser cumprida (por exemplo, melhorar a qualidade da saúde, segundo um número predeterminado de indicadores). Se o projeto for bem-sucedido e suas metas forem cumpridas, o governo paga "dividendos" aos investidores.

É semelhante a um mercado de ações, em que empresas que têm bons resultados pagam dividendos aos acionistas que assumiram o risco ao comprarem as ações.

No final de 2012, o governo britânico anunciou a venda de títulos para financiar um projeto de apoio a 380 famílias carentes, com a meta de evitar que os adolescentes dessas famílias necessitem futuramente de subsídios estatais. Se o projeto funcionar, investidores receberão retornos de 10% sobre o dinheiro investido. Para o governo, o pagamento compensa porque evitará os custos futuros com subsídios, por exemplo.

Para Shiller, a iniciativa cria um incentivo para os investidores privados buscarem soluções eficientes – e que, portanto, deem retorno financeiro – para problemas do setor público. E, ao mesmo tempo, é uma alternativa às limitações orçamentárias dos governos, que só paga lucros aos investidores se o projeto for bem-sucedido e trouxer economias aos cofres públicos.

A ideia é citada por Shiller faz parte do que ele chama de "designs de mercado", soluções financeiras para problemas sociais.

Outra iniciativa semelhante citada em seu livro é a projetada por Alvin Roth, da Universidade de Harvard, que construiu uma espécie de mercado de alocações de rins – para diminuir o número de mortes de pessoas que não conseguiam transplante do órgão nos EUA por falta de doadores compatíveis.

No modelo de Roth, um familiar de um paciente doa seu rim - não ao seu parente, mas a alguém geneticamente compatível. O trabalho do órgão projetado por Roth é tornar essa complexa distribuição eficiente, com o objetivo de que todos os pacientes recebam o rim de alguém.

O projeto ainda não conseguiu tornar essa distribuição perfeita, mas tem evitado mortes de pacientes, diz Shiller.

Esses mesmos princípios são aplicados nos já conhecidos mercados de carbono, em que empresas e governos que conseguem reduzir a emissão de gases poluentes vendem créditos para os que poluem mais – criando um incentivo financeiro para os menos poluidores.

São, segundo ele, "formas de humanizar as finanças e fazê-las mais relevantes para o bem-estar humano".

"As finanças não devem ser vistas como algo puramente elitista – é uma força que pode ajudar a criar uma sociedade mais próspera e igualitária, transformando impulsos criativos em produtos e serviços", diz no livro.

Bolhas?

Ao mesmo tempo, Shiller diz que o mercado ainda precisa de mais ideias para democratizar o ensino financeiro, para projetar instituições que evitem os abusos que levaram à crise de 2008 e para prever bolhas como a imobiliária, "antes que estas contaminem toda a economia".

Em sua passagem pelo Brasil, Shiller despertou polêmica ao levantar a hipótese de uma bolha imobiliária no Brasil, citando preocupação com o fato de os preços dos imóveis terem dobrado nos últimos cinco anos nas maiores cidades brasileiras.

Ele alega que, nos Estados Unidos, a possibilidade de um imóvel perder valor era vista como inimaginável – e, no entanto, foi isso o que aconteceu com a crise de 2008, fazendo com que muitos proprietários vissem seu patrimônio se depreciar. Em muitos casos, hipotecas passaram a superar o valor dos imóveis.

Na ocasião, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco declarou que é preciso "ficar de olho" nos preços dos imóveis, mas que não via perigos imediatos de uma bolha imobiliária, porque considerar que a demanda por imóveis se mantém consistente no país.