Ponto de vista: Para onde irá o ódio na segunda-feira?

  • Rodrigo Durão Coelho
  • De São Paulo, especial para a BBC Brasil
Foto: AFP

Crédito, AFP

Legenda da foto, Proximidade de candidatos nas pesquisas têm acirrado ânimos de partidários de PT e PSDB

Me pergunto com que estado de espírito acordará metade do eleitorado brasileiro na manhã do dia 27 de outubro.

Como as dezenas de milhões de derrotados nas urnas vão encarar a segundona brava, no trabalho ou nas ruas, as gozações, os gritos de "chuuuupa ("petralha" ou "coxinha", dependendo do que acontecer)".

O ódio político crescente dos últimos meses tornou o diálogo cada vez mais difícil. Um lado não escuta o outro, estão impermeáveis a argumentos e não são raros casos em que a violência verbal descamba para a física.

O que sentirão os que não elegerem o próximo presidente?

Será que explodirão em ira com a certeza de que o país galopa para o bolivarianismo, condenado à estagnação econômica, refém de um grupo há 12 anos no poder?

Ou prevalecerá a turma que acha que o Brasil jogará para o ralo as conquistas sociais e embarcará em um delírio fascista, despejando hordas de menores no sistema prisional e, quem sabe, até sonhando com a volta da escravatura?

Será que o ódio continuará a crescer, descambando para pequenas guerras urbanas?

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Motoristas plantarão coxinhas explosivas recheadas de tachinhas nas ciclovias, gerando reação: guerrilheiros bike blocs, especialistas em depredar qualquer veículo com mais de duas rodas?

Ou talvez, passada a dor de cabeça inicial, seja possível enxergar que PT ou PSDB não vão fazer governos tão diferentes como gostamos de pensar?

Não vão acabar com o Bolsa Família ou ousar políticas econômicas diametralmente opostas. Mas também não devem avançar radicalmente em temas que poderiam fazer a diferença, como a reforma política, da previdência, o combate à corrupção e a possibilidade de uma nova matriz energética.

O novo governo, seja azul ou vermelho, e independentemente das promessas que fez, já nascerá engessado por alianças com políticos e partidos – legitima e democraticamente eleitos, diga-se - sem cores definidas, mutantes.

Enquanto se gastou tanta energia com demonizações, foi perdida uma enorme oportunidade de se tentar diminuir a influência no poder de quem realmente representa o atraso social. De discutir as coisas como elas são para eventualmente mudar o jogo.

Eu sei que é gostoso eleger um vilão e descarregar nele nossas frustrações com toda a força.

Deixa a alma levinha. Mas, para isso, existe videogame. Na política, isso não ajuda muito.

Seria tão bom ver petistas e tucanos apontando o dedo para seus próprios partidos, cobrando-os por suas contradições e malfeitos, em vez de defendê-los cegamente - como se alguma organização política merecesse tal defesa.

Apoiar PT ou PSDB por sentir ódio do outro apenas dá mais liberdade para que o seu "time" faça o que não deve ou o que não pode.

Minha impressão é de que, no futuro, essa selvageria atual será lamentada.

Talvez, se as cabeças de hoje, quentes e desidratadas, esfriarem e avançarmos de alguma forma nos próximos anos, a análise que se fará desse período seja generosa e o entenda como necessário, dores do crescimento, antes da maturidade.

Aposto nisso. Que nosso espírito do "deixa-disso" nos faça perceber que não está com nada, não é produtivo ou divertido nutrir tanta raiva.