Coronavírus: apostar em imunidade de rebanho sem vacina é péssima ideia, alerta cientista

  • Sara Lumbreras e Mario Castro Ponce
  • The Conversation*
Vítima de coronavírus é enterrrada em Jacarta, na Indonesia.

Crédito, EPA

Para conter a pandemia, é necessária apenas uma coisa: que durante o intervalo de tempo em que uma pessoa infectada pode transmitir a doença a outras pessoas, ela não o faça. Em teoria, essa medida é simples; mas no mundo real, é extremamente complexa de ser implementada.

Como alcançar este objetivo tão simples e ao mesmo tempo tão difícil? De muitas maneiras. Por exemplo, limitar os contatos entre as pessoas, como fizemos durante os confinamentos ou quarentenas. Também podemos reduzir a probabilidade de contágio nas interações existentes, por meio de máscaras e distanciamento físico entre as pessoas. Uma terceira via é a imunização, por vacinação ou pela chamada imunidade de grupo natural.

A imunidade de grupo é baseada na ideia (puramente estatística) de que, quando um número suficientemente elevado de pessoas supera uma doença, sua transmissão é interrompida. Isso ocorre porque cada paciente infectado encontra um número menor de pessoas suscetíveis de serem infectadas (porque muitas já estão imunes).

Essa estratégia é viável? Pode ser implementada regionalmente, nacionalmente ou mesmo globalmente?

A ideia não é nova. Desde o início da pandemia, alguns países se opõem a medidas para conter o contágio. Depois, o colapso da saúde da primeira onda fez com que eles mudassem de ideia.

Nas últimas semanas, porém, parece que a memória está começando a vacilar. Provavelmente por causa da ameaça de uma crise econômica devastadora, a hipótese da imunidade de grupo deliberada renasceu das cinzas.

Um grupo de especialistas, minoritário na comunidade acadêmica, publicou a Declaração do Grande Barrington em 4 de outubro, na qual rejeitam as medidas de confinamento e distanciamento por causa de suas consequências sociais e econômicas. Eles argumentam que a maior parte do mundo deveria "viver normalmente" até atingir a imunidade de grupo naturalmente.

Pessoas andando com máscaras na rua

Crédito, EPA

Legenda da foto, Para signatários da Declaração de Great Barrington, foco das medidas de proteção devem estar na população vulnerável, e não geral

E a fração da população mais vulnerável à doença deveria, segundo eles, se isolar durante esse período. Eles apelidaram essa estratégia de "proteção direcionada".

Outro grupo de especialistas respondeu rapidamente ao documento publicando o Manifesto de John Snow, que leva o nome daquele que é considerado o pai da epidemiologia moderna. Para esses estudiosos, a busca deliberada pela imunidade de grupo natural é uma péssima ideia.

Os motivos são:

- Morreriam milhões de pessoas

A letalidade do vírus Sars-CoV-2, que causa a covid-19, ainda não foi determinada com certeza pela ciência, além da influência de variáveis como momento da pandemia e idade da população nos cálculos.

Ainda assim, estimativas conservadoras apontam que quase 0,6% dos infectados acabe morrendo. Ou seja, para atingir uma imunidade de rebanho no patamar de 60-70%, morreriam quase 200 mil pessoas só na Espanha. Isso sem mencionar as sequelas persistentes em milhares de pacientes que conseguiram sobreviver.

ilustração

Crédito, BBC

Além disso, o colapso sanitário por causa da alta porcentagem de doentes que demandariam internações hospitalares significaria que não sofreriam apenas os pacientes de covid-19, mas também de outras doenças que não poderiam receber a atenção devida.

Essa situação teria profundas consequências sociais e econômicas. Mesmo sem apelar para a imunidade de grupo, a mortalidade colateral por covid teria dimensões inaceitáveis.

Como se isso não bastasse, teríamos outro problema.

- Não sabemos se atingiríamos imunidade de grupo porque não temos clareza sobre como funciona a imunidade individual

Para que a imunidade de grupo seja alcançada, estima-se que precisaríamos de 60 a 70% da população imune ao mesmo tempo. Não apenas você não fica doente, mas também não pode transmitir o vírus para outras pessoas.

No entanto, ainda não sabemos como funciona a imunidade ou quanto tempo ela dura. Os anticorpos, que são a parte da resposta imune que mais estudamos, decaem após alguns meses, especialmente nos casos de infecções leves. Mas não sabemos o impacto disso na capacidade de defesa como um todo do corpo.

Além disso, sabemos que reinfecções são possíveis, o que pode ser um obstáculo intransponível para a obtenção de uma imunidade coletiva.

- A proteção direcionada não é apenas eticamente discutível: também apresenta dificuldades técnicas

É extremamente difícil isolar efetivamente os idosos e os grupos vulneráveis ​​(eles não poderiam receber visitas e seriam condenados a viver na solidão? O que acontece com os funcionários dos asilos? Será que os isolaríamos também?).

O coronavírus tem um efeito mais negativo em indivíduos que sofrem de certas doenças que podem ser evitadas

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O coronavírus tem um efeito mais negativo em indivíduos que sofrem de certas doenças que podem ser evitadas

Além disso, não é tão fácil definir a população vulnerável: muitos jovens, aparentemente sem patologias anteriores, sofreram casos graves de covid-19, e não temos como identificar essa população em risco: pode ser qualquer um.

De fato, levando em consideração os dados de mortes em excesso (o número de pessoas que morreu neste ano a mais do que a média histórica de anos anteriores), durante a primeira onda do novo coronavírus, 25% das mortes em excesso envolviam pessoas com menos de 65 anos.

- As estimativas de imunidade de grupo são baseadas em modelos matemáticos questionáveis

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Normalmente, a imunidade de rebanho é calculada como (1-1 / R₀) x 100), onde R₀ é outro conceito que entrou em nossas vidas durante a pandemia: o chamado número reprodutivo básico (ou taxa de contágio, que é a quantidade de pessoas que podem contrair a doença a partir de alguém infectado).

Mas essas estimativas são baseadas em modelos simplificados que não apenas não permitem previsões precisas, como também ignoram o papel dos superespalhadores.

De tal forma que nem temos garantias de que, se 80% estiverem infectados, a epidemia vai parar e não vai afetar os 20% restantes.

Se esses pontos são tão claros, por que o apoio à estratégia de imunidade de grupo está ressurgindo?

Na maioria dos países, as pessoas vivem em um estado de restrição contínua ou à sombra de um novo confinamento em massa. Essa ameaça aumenta a impressão de que todo o esforço realizado nos meses anteriores foi em vão, além da angústia com empregos perdidos ou sob risco.

O desejo de recuperar a normalidade também é alimentado por uma economia prejudicada que impõe uma pressão crescente para buscar soluções alternativas.

Ilustração com pessoas distantes umas das outras

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Qual é a melhor estratégia para lidar com a pandemia a curto, médio e longo prazo?

No entanto, as consequências de deixar a pandemia evoluir de forma incontrolável seriam muito mais devastadoras que o efeito dessas medidas. Precisamos criar estratégias racionais que protejam tanto a saúde pública quanto a economia e o nosso estilo de vida.

Isso só pode ser feito através de um debate ético sobre a responsabilidade individual, um clima de convivência e comunidade, uma total transparência dos dados sobre a evolução da pandemia e os motivos que fundamentam as decisões tomadas pelas autoridades.

Resumindo: dados, ciência e prudência. Devemos selecionar as medidas que melhor atendem aos nossos objetivos, mas não adotar nenhuma seria a pior ideia de todas.

*Sara Lumbreras é professora e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Tecnológica da Universidade Pontíficia Comillas e Mario Castro Ponce é professor e pesquisador da Escola Técnica Superior de Engenharia (Icai) da Universidade Pontíficia Comillas.

Esse artigo foi publicado originalmente no site The Conversation e é publicada aqui sob uma licença Creative Commons.

Leia a versão original, em espanhol, clicando aqui.

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