Como um esquema que nasceu na guerra cria milionários na Nigéria

Legenda do áudio, Em áudio: Como um esquema que nasceu na guerra cria milionários na Nigéria
  • Author, Chiagozie Nwonwu
  • Role, BBC Igbo

A comunidade igbo da Nigéria tem a reputação de ter empresários muito bem-sucedidos - em parte graças a um esquema de aprendizes administrado pela comunidade que emergiu das ruínas da guerra.

O sorridente Onyeka Orie, 28, parece a imagem da felicidade em sua loja de acessórios para celulares, Computer Village (vila dos computadores), na principal cidade da Nigéria, Lagos.

A loja e tudo que havia nela foi dado a ele por seu ex-chefe depois de Orie ter trabalhado para ele sem receber pagamento por vários anos, enquanto aprendia o ofício.

"Servi meu oga [chefe] por oito anos. Meu oga me deu esta loja. Eu estava administrando a loja por quatro anos antes de ele me dar ela. Não esperava isso", diz Orie.

Onyeka Orie dentro da loja de acessórios de seus telefones
Legenda da foto, Onyeka Orie diz que não esperava receber uma loja

Filho de agricultores no sudeste da Nigéria, ele disse que tinha poucas chances de sair da pobreza porque sua família não tinha condições de lhe dar a educação de que precisava para conseguir um bom emprego em um país onde o desemprego é abundante, mesmo entre aqueles com um diploma universitário.

Assim, depois do ensino médio, ele se juntou a outros jovens igbo para aprender um ofício em um programa de aprendizes conhecido como "Igba Boi" - uma prática em que jovens, principalmente meninos, deixam a família para viver com empresários de sucesso.

Espera-se que os meninos "sirvam" ao chefe, fazendo tudo por ele - incluindo lavar seus carros e cuidar de suas tarefas domésticas. Em troca, eles aprendem várias habilidades e são ensinados a administrar um negócio. Eles também recebem comida e um lugar para morar.

No final de um período combinado, o patrão entrega capital para os aprendizes abrirem o seu próprio negócio.

O sistema de aprendizagem igbo tem raízes nos anos pós-guerra civil da Nigéria, explica Ndubuisi Ekekwe, professor nigeriano que escrevu um artigo sobre o programa de aprendizagem publicado recentemente no Harvard Business Review.

A guerra, de 1967 a 1970, teve origem em um conflito armado entre os povos hauçá e igbo. Os igbos ocuparam terras do leste e proclamaram a república de Biafra, mas foram derrotados pelo governo federal, controlado pelos hauçás. Milhões de pessoas morreram de fome durante esse conflito.

Os igbos, emergiram da derrota conseguindo recuperar uma parte significativa de sua situação econômica anterior ao conflito, em apenas dois anos.

Isso apesar de o governo nigeriano ter confiscado, em um primeiro momento, contas bancárias pertencentes a muitos igbos. Em seguida, deu a eles o equivalente hoje a pouco mais de R$ 2 mil para recomeçarem suas vidas, enquanto em outras partes do país, muitos tiveram suas propriedades confiscadas por vizinhos.

Comerciantes no mercado de Aba

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O mercado de Ariaria em Aba é popular em relação a produtos feitos na Nigéria, alguns dos quais são exportados

O Peoples Club, um clube social popular formado na cidade de Aba em 1971, também é creditado por dar o pontapé inicial no esquema de aprendizagem igbo.

O lema do clube, a filosofia igbo de "onye a hana nwanne ya" (não deixe seu irmão para trás) é vista como um princípio orientador do programa.

"O Peoples Club foi um movimento sócio-econômico... (que) criou um modelo econômico de como os igbo poderiam sair das ruínas da guerra e iniciar um novo movimento de sobrevivência", diz Benedict Okoro, fundador da Fundação de Patrimônio Cultural Odinala. "Essa é a gênese do Igba Boi na cosmologia igbo."

O programa de aprendiz é voltado principalmente para meninos e rapazes, pois as famílias geralmente não querem deixar suas filhas morarem com um empresário durante os cinco anos ou mais necessários para aprender um ofício.

Em vez disso, as mulheres geralmente aprendem em empresas estabelecidas, onde pagam para serem ensinadas por seis meses a um ano, enquanto ainda moram em casa com os pais.

Homens sentados durante uma reunião

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Existem fortes laços de parentesco entre os igbo e algumas divergências são resolvidas em reuniões de aldeia como esta

'Não recebi nada depois de sete anos'

Entre nigerianos proeminentes que se beneficiaram do programa estão magnatas do setor automotivo, como Innocent Chukwuma, da Innoson Motors, e Cosmas Maduka, do Coscharis Group.

Em uma entrevista de 2019 à BBC Igbo, Maduka disse que as 200 nairas (equivalentes hoje a cerca de R$ 7,4 mil reais) dadas a ele por seu chefe no final de seu programa de aprendizado em 1976, estabeleceram as bases para seu império multimilionário.

O sucesso do esquema também é visível em cidades do leste da Nigéria, como Onitsha, Aba e Nnewi, onde mercados em expansão atraem comerciantes de toda a África Ocidental.

Mas o sistema também recebe críticas, já que conta com a boa vontade do empregador para ajudar o aprendiz no final de seu serviço.

Ndubuisi Ilo, que agora dirige uma loja de sucesso em Lagos, de peças para carros, diz que não recebeu nada depois de servir ao chefe por sete anos.

"Meu chefe me ligou um dia e disse que não tinha dinheiro para me pagar. Ele me pediu para começar a lutar por conta própria. Foi muito difícil no começo e eu até tive que dormir dentro de carros, mas agora eu olho para trás e sorrio", diz ele.

No entanto, ele não considera o aprendizado uma perda de tempo, pois utilizou os conhecimentos que adquiriu para iniciar seu negócio.

"Alguns empresários não querem cumprir o acordo. Outros acusam os aprendizes de roubo ou de qualquer outra coisa e rescindem o contrato", diz Ilo.

'Vila dos computadores' em Lagos

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Houve uma explosão no mercado de telefones celulares da Nigéria nos anos 2000

Os acordos do Igba Boi são geralmente verbais e quando um empresário os renega, os aprendizes têm poucas opções de reparação.

Já que muitos dos empresários são parentes, a família geralmente tenta mediar quaisquer disputas. Quando não dá certo, a aldeia ancestral de uma ou ambas as partes intervém e tenta resolver o assunto.

Às vezes as questões são resolvidas amigavelmente. Outras vezes não, deixando o aprendiz sozinho após anos de trabalho "de graça".

'Um exemplo para a África'

A Fundação de Patrimônio Cultural Odinala, de Okoro, está procurando institucionalizar o esquema Igba Boi para minimizar o risco de inadimplência dos acordos.

"Um sistema institucionalizado teria respaldo da lei e não seria apenas um acordo verbal entre os comerciantes e o aprendiz e sua família", afirma Okoro. "O aprendiz até irá obter um certificado depois de seu aprendizado."

Cerimônia de convocação da universidade

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A maioria dos graduados universitários passa anos procurando emprego na Nigéria

Ekekwe, o professor que estudou o assunto, observa que ajudar potenciais rivais no mundo dos negócios vai contra o pensamento capitalista tradicional, mas é o cerne desse sistema, que geralmente parece funcionar bem para todos os envolvidos.

Ele diz que "(O economista) Adam Smith acreditava que o sucesso nos negócios envolve garantir a eliminação de seus concorrentes, mas esse sistema depende de trazer mais pessoas para o negócio".

O professor diz querer "apresentar o Sistema de Aprendizagem Igbo como uma tese para o mundo sobre o capitalismo das partes interessadas, não apenas o capitalismo dos acionistas".

Em seu site, ele sugere que o programa seja aplicado em toda a África.

'Melhor do que um diploma universitário'

Os dados atuais de desemprego na Nigéria mostram um quadro preocupante - 33% das pessoas que procuram trabalho não conseguem encontrar nenhum. Muitas das pessoas buscando uma forma de obter sustento são graduados universitários.

Orie, dono da loja de acessórios para celulares, diz que sua situação financeira é melhor do que a de muitos de seus colegas que se formaram em uma universidade.

Ele também pensa em permitir que um jovem de sua aldeia aprenda o ofício com ele.

Muitos de seus colegas, entretanto, agora estão contratando assistentes de vendas para administrar suas lojas em vez de usar o sistema Igba Boi.

Para Ilo, dono da loja de peças para carros, o futuro do sistema que o produziu e produziu milhares de outros empresários está seguro.

"Enquanto houver mercados e comerciantes igbo, haverá aprendizes", diz ele.

Línea

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