Porto (nem tão) Rico: entenda crise que levou território a declarar maior falência pública da história dos EUA

Homem vestido de super-herói carrega bandeira de Porto Rico em protesto na capital, San Juan

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Medidas de austeridade impostas pelo governo do território geraram protestos no 1º de Maio

Na quarta-feira, o governador de Porto Rico, Ricardo Rosselló, anunciou que o território americano vai decretar falência para tentar reestruturar sua dívida pública, estimada em mais de US$ 70 bilhões.

A medida foi tomada meses depois de o governo ter decretado moratória, o que impedia credores de ir à Justiça para exigir o pagamento. Trata-se da maior falência pública da história dos EUA.

A ilha caribenha enfrenta uma grave crise econômica, com 45% de sua população vivendo em estado de pobreza - mais de três vezes o percentual dos Estados Unidos. E o fato de seus cidadãos terem direito a passaporte americano faz com que Porto Rico sofra intensa migração: a ilha tem 3,4 milhões de habitantes, enquanto mais de 5 milhões de porto-riquenhos vivem nos EUA.

Mas quais são as razões que levaram Porto Rico a essa situação calamitosa - e o que tem sido feito?

Ricardo Rosselló, o governador de Porto Rico, em solenidade no início do ano

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Ricardo Rosselló assumiu o governo de Porto Rico em janeiro

1) Efeito bola de neve

A dívida de Porto Rico tem origem em uma crise econômica iniciada em 2005, quando o governo americano acabou com incentivos fiscais para empresas do país baseadas na ilha, o que tinha sido uma importante fonte de investimentos para o território durante mais de 20 anos.

A fuga de investimentos se aliou ao fato de que a maioria da população porto-riquenha depende de assistência do Estado, forçando o endividamento público sobretudo por meio da emissão de títulos que se aproveitaram da situação especial de Porto Rico - como território, pôde oferecer investimentos sem imposto de renda para investidores, ao contrário dos 50 Estados americanos.

Houve imenso interesse, mas a dívida seguiu crescendo.

2) Mau pagador

Em 2015, o então governador do território, Alejandro Padilla, declarou que a dívida porto-riquenha era "impagável".

No início do ano passado, a ilha começou a atrasar pagamentos de juros. Ironicamente, o status especial de Porto Rico impediu que o território se valesse da legislação americana sobre falências, que em 2013 tinha sido utilizada pela cidade de Detroit para renegociar suas dívidas.

O governo federal então criou, em junho de 2016, a Ley Promesa ("Lei Promessa", na tradução literal do espanhol), que estabeleceu a criação de uma Junta de Supervisão Fiscal (JSF) para "instituir responsabilidade fiscal e garantir acesso aos mercados de capital".

Sem-teto dorme na rua em San Juan

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Taxa de pobreza na ilha é quatro vezes maior que a média nos EUA

3) Falência

Pule Podcast e continue lendo
BBC Lê

Podcast traz áudios com reportagens selecionadas.

Episódios

Fim do Podcast

Em uma entrevista a um grupo de jornalistas, o governador Ricardo Rosselló explicou que a decisão de decretar falência ocorreu depois de negociações com credores para um acordo terem fracassado.

O governo recorreu a uma legislação especial, aprovada pelo Congresso americano, que levará a disputa com credores a um tribunal federal, que decidirá como e quanto o território pode pagar.

O processo de reestruturação, conhecido como Título 3, que também paralisa ações judiciais contra Porto Rico, faz parte do pacote legal que passou pelo Legislativo americano no ano passado - o governo do território tinha pedido ajuda a Washington, sob o argumento de que a falta de liquidez iria paralisar a administração local.

Rosselló, porém, afirma que a falência não significa o fim das negociações com os credores.

"O melhor exemplo de que podemos dialogar foi o acordo de reestruturação que fizemos com nossos credores no setor de energia elétrica. Mas diante do deficit que herdei, minha responsabilidade é garantir os melhores interesses do povo porto-riquenho", afirmou o governador, que assumiu o cargo em janeiro.

Manifestantes queimam bandeira americana em San Juan

Crédito, EPA

Legenda da foto, Porto Rico não é um estado americano, mas seus cidadãos recebem passaportes do país

3) Controle da economia

Embora dê espaço de manobra para que Porto Rico renegocie sua dívida, a Ley Promesa também confere ao Tribunal Federal poderes para congelar ativos do território e impor condições para acessos a novos fundos.

E há credores que argumentam que o Título 3 pode tirar por anos a autonomia econômica da ilha.

"O governador perdeu todo seu poder sobre a reestruturação, e a economia de Porto Rico ficará suspensa por anos", disse, em um comunicado, um grupo de credores.

"A junta decidiu fazer de Porto Rico a nova Argentina", completou o comunicado, referindo-se à marginalização pela qual passou o país sul-americano depois da decisão, em 2001, de declarar moratória sobre sua dívida externa - e que também teve efeitos severos na economia.

Mas o presidente da Junta de Supervisão Fiscal, José Carrión, afirmou que decretar falência foi uma medida "necessária" e "apropriada" para proteger os interesses de Porto Rico e dos credores.

4) Austeridade

A brecha legal dada por Washington não veio sem contrapartida para Porto Rico: o governo do território teve de fazer uma série de cortes de aposentadorias e no orçamento de saúde e educação.

No último dia 1º, houve protestos na capital, San Juan, contra a política de austeridade, que poderá ainda impor novos cortes.

A JSF diz que as reformas são necessárias fazem parte do esforço de equilibrar a economia e proporcionar o crescimento.