'Estamos caminhando para um mundo bipolar, mas muito diferente da Guerra Fria', diz pesquisador

  • Carlos Serrano (@carliserrano)
  • Da BBC News Mundo
Bandeiras de Estados Unidos e China.

Crédito, Getty

A guerra na Ucrânia e a pandemia estão acelerando uma tendência perigosa de consolidação dos Estados Unidos e da China como os dois países mais poderosos do mundo.

Essa é a visão do pesquisador Michael Schuman, que sustenta que a coincidência desses dois eventos catastróficos está empurrando o mundo para um cenário em que ambas as potências acentuam sua rivalidade.

Segundo Schuman, as sanções que os EUA impuseram à Rússia por sua invasão da Ucrânia servem de alerta para a China caso ela decida apoiar os russos na guerra.

E isso pode estar levando a China a acelerar seu projeto para diminuir sua dependência do Ocidente, diz Schuman, que é pesquisador não-residente do centro de estudos Atlantic Council China.

Joe Biden e Xi Jinping

Crédito, Getty

Legenda da foto, Joe Biden, presidente dos EUA, em teleconferência com Xi Jinping, presidente da China, em 15 de novembro de 2021

Por outro lado, a estratégia de covid zero adotada pela China está colocando pressão no comércio mundial. A incerteza gerada pelos confinamentos em massa na China gerou uma pressão maior para que os países busquem fornecedores diferentes.

Nesse panorama, sustenta Schuman, China e EUA estão se afastando do mundo globalizado que se esperava após a queda da União Soviética, e estão a caminho de se consolidarem como duas esferas de poder.

Em entrevista à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC), Schuman explica em que consiste esse panorama e os perigos que ele representa para o mundo.

Michael Schuman é o autor dos livros Superpower Interrupted: The Chinese History of the World e The Miracle: The Epic Story of Asia's Pursuit of Wealth.

Michael Schuman.

Crédito, Michael Schuman.

Legenda da foto, Michael Schuman.
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BBC: O mundo está caminhando para uma nova Guerra Fria?

Schuman: Acho que a comparação com a Guerra Fria não é precisa.

Há, é claro, algumas semelhanças gerais relacionadas a alguns elementos do que está se tornando a competição ideológica entre uma esfera centrada nos EUA e uma esfera centrada na China.

E é possível ver elementos de democracia versus autoritarismo. Mas em vários aspectos tudo é muito mais complexo do que a Guerra Fria.

Os EUA e a Europa obviamente tiveram alguma interação com a União Soviética e seus aliados, mas não estavam particularmente integrados, especialmente economicamente. O que tínhamos eram praticamente dois mundos, um de frente para o outro.

Com a China e os EUA é uma história muito diferente, não só porque a China e os EUA estão muito integrados, mas porque todos os aliados estão integrados e são extremamente importantes um para o outro economicamente.

Além disso, há essa troca cultural enorme, a tecnologia é diferente e as pessoas estão mais conectadas.

Acho que, embora estejamos caminhando para um mundo que lembra o mundo bipolar da Guerra Fria, os relacionamentos nesse mundo bipolar serão muito mais complicados.

Essas duas esferas vão estar conectadas de uma certa maneira no nível econômico simplesmente por causa da maneira como a economia global funciona, por causa da importância da China na economia global e vice-versa, a importância da economia global para a China.

Será um mundo bipolar, mas muito diferente daquele da Guerra Fria.

Borodianka

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Legenda da foto, Um prédio residencial em Borodianka, a noroeste de Kiev, durante a invasão russa da Ucrânia

BBC: Como seriam esses dois pólos de poder?

Schuman: Veremos diferentes sistemas políticos e sociais.

De um lado estarão os EUA e seus aliados que geralmente são democracias abertas e economias capitalistas liberais. A outra esfera será baseada na China, com normas e valores diferentes.

Eles também serão separados por tecnologia. Já existe uma desconfiança crescente em várias partes do mundo em relação à tecnologia chinesa. Vemos o que acontece com a Huawei, por exemplo.

E a China obviamente tem uma tremenda desconfiança da tecnologia que vem dos EUA ou de outros lugares, e é por isso que eles bloqueiam tantas redes sociais e empresas de internet americanas.

Então acho que veremos duas esferas baseadas em tecnologias diferentes.

E também veremos, especialmente por parte da China e seus aliados como a Rússia, um desejo de reduzir sua dependência e seus laços econômicos com os EUA e a Europa.

Uma campanha de autossuficiência está em andamento na China.

Então, embora eles não sejam completamente separados, acho que haverá um movimento na direção de ter conexões econômicas mais próximas dentro de cada esfera.

Estados Unidos vs China.

Crédito, Getty

BBC: Como os demais países se alinhariam nesse mundo bipolar?

Schuman: É difícil saber, depende dos cálculos de cada país.

O Vietnã, por exemplo, não é que tenha um bom histórico com os EUA e se trata de um governo comunista, não democrático.

Mas os vietnamitas estão muito preocupados com o crescente poder da China. Eles estavam em guerra com a China em 1979, eles têm disputas no Mar da China Meridional. Então se vê uma certa reaproximação entre o Vietnã e os EUA. Entre o Vietnã e os EUA há um fortalecimento dos laços econômicos.

O Paquistão é outro exemplo. É tecnicamente uma democracia e foi aliada dos EUA durante a Guerra Fria, mas economicamente está cada vez mais ligada à China. Portanto, não será fácil saber como as duas esferas se formarão.

Na China, foi implementada uma política de "covid zero"

Crédito, Getty

Legenda da foto, Na China, foi implementada uma política de "covid zero"

BBC: Haverá países não alinhados com nenhuma das duas esferas?

Schuman: É como na Guerra Fria, mesmo os países que preferiram permanecer não alinhados acabaram sendo levados a se inclinar em uma direção ou outra.

Alguns deles conseguirão, mas é inevitável que, à medida que a competição entre essas duas esferas cresça, haja pressão sobre os países para pelo menos se inclinarem para um lado ou para o outro.

Para muitos países será difícil saber de que lado ficar, como foi o caso durante a Guerra Fria. Haverá muitos países que não vão querer tomar partido e tentarão trabalhar com ambas as esferas.

Para alguns países será difícil tomar essa decisão.

A Índia, por exemplo. A Índia e os EUA estão começando a se alinhar cada vez mais em sua atitude em relação à China, mas os indianos historicamente têm sido cautelosos em se aproximar demais dos EUA.

Na África há vários países que estão se aproximando da China, estão se tornando grandes aliados econômicos. Mas, ao mesmo tempo, os países, doadores e instituições ocidentais são extremamente importantes para alguns desses países africanos.

Billetes de EE.UU. y China.

Crédito, Getty

BBC: Por que você diz que esse mundo bipolar é perigoso?

Schuman: Com o fim da União Soviética, nós pensávamos que a competição de grandes potências havia acabado, pelo menos por um tempo.

Acreditávamos na natureza da economia global, na crescente integração entre os países, na forma como a tecnologia unia os países, que haveria mais interação entre as pessoas. Pensávamos que teríamos um mundo com valores, normas e interesses econômicos compartilhados.

Na década de 1990 e nos primeiros anos do século 21, achávamos que estávamos caminhando nessa direção. E pode-se dizer que este mundo possivelmente seria menos conflituoso e com maiores benefícios econômicos.

Mas se o mundo vai se dividir novamente em dois, então temos o retorno da competição entre as potências, com tudo o que isso implica. Mesmo que isso não implique uma guerra entre as duas potências, estamos falando de um alto nível de tensão e menor integração econômica.

Veja o que a China está fazendo com a internet, eles basicamente isolaram sua internet do resto do mundo, o que significa menos trocas entre as pessoas na China e no resto do mundo.

Nada disso é positivo para a estabilidade e a prosperidade.

Xadrez

Crédito, Getty

BBC: O que a China está fazendo para diminuir sua dependência dos EUA?

Schuman: A China considera que o país é muito vulnerável às sanções que os EUA e seus aliados podem impor.

Acho que a China está olhando para o que está acontecendo com a Rússia agora, a maneira como os EUA e seus aliados se uniram para impor sanções duras e dolorosas à Rússia.

A China vê isso e diz que "é exatamente disso que temos medo".

Então eles querem se proteger dessa vulnerabilidade, querem controlar sua própria cadeia de suprimentos, querem ter alternativas à tecnologia estrangeira. Vemos, por exemplo, o que estão fazendo com os semicondutores, que representam grandes importações para a China.

Se você não tiver acesso a esses chips, é um grande prejuízo para o seu futuro econômico. Eles também estão, por exemplo, tentando desenvolver sua própria indústria de aeronaves comerciais para competir com a Boeing e a Airbus.

Assim, a China está se reorientando. Eles não vão fechar completamente, querem continuar exportando e aumentar seus laços econômicos com países como a Rússia, mas em outros aspectos estão tentando se retirar do mundo como forma de se defender.

Fábrica en China.

Crédito, Getty

BBC: E o que os EUA estão fazendo para depender menos da China?

Schuman: Os EUA não têm planos nesse sentido, é um lugar muito mais descentralizado.

O que há é um movimento entre empresários e governantes para ter mais cadeias produtivas locais, como é o caso da indústria de carros elétricos, por exemplo.

Os empresários americanos acham imprudente ter sua cadeia de suprimentos dependente de um país com o qual têm tensão econômica. Isso ficou evidente durante a pandemia, quando os EUA precisavam de certos produtos e perceberam que precisavam trazê-los da China.

Há também uma crescente pressão regulatória para que as empresas americanas não incluam empresas que praticam trabalho forçado entre seus fornecedores, como é o caso da região de Xinjiang.

Mas ainda existem empresas americanas que investem pesadamente na China, que têm grandes negócios lá, e não têm intenção de mudar isso.

Em geral, os chineses estão se esforçando mais para diminuir sua dependência dos EUA do que os EUA da China.

Fábrica de autos eléctricos Tesla.

Crédito, Getty

BBC: É possível reverter essa tendência para um mundo bipolar?

Schuman: Nada é inevitável.

Em algum momento haverá um novo líder na China. Xi Jinping tentará garantir um terceiro mandato, então há uma boa chance de ele ficar no cargo por um longo tempo, mas ele não pode ficar lá para sempre.

Em algum momento, haverá outro governo na China que poderá ter outra visão do papel da China no mundo e seu relacionamento com os EUA. E nos EUA já vimos diferenças entre a abordagem do governo Trump e do governo Biden.

Nada é inevitável, em ambos os países pode haver mudanças em que se afastam da concorrência, estreitam laços e melhoram suas relações. Mas acho que se as tendências que estamos vendo agora continuarem, é menos provável que o mundo não se divida em dois.

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